Uma denúncia de violência psicológica e assédio moral que teria vitimado uma atleta de 17 anos do Minas Tênis Clube, de Belo Horizonte, motivou nesta terça-feira (4/6/24) uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião chamou atenção para as dificuldades que as vítimas desse tipo de agressão enfrentam.
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A audiência pública contou com a participação tanto de Ana Paula Fonseca Leiro, mãe da atleta denunciante, quanto da assessora jurídica Fabiana Rangel de Oliveira, funcionária do Minas Tênis Clube, entre outros convidados.
A mãe da atleta relatou que sua filha foi vítima de ofensas e comentários de cunho sexual, feitos pelo treinador da equipe de natação júnior, que reúne atletas entre 17 e 19 anos.
Esse tratamento, segundo ela, teria ocorrido de forma continuada ao longo de todo o ano de 2023, período em que a garota treinou no clube.
Ana Paula Leiro disse ter tomado conhecimento do problema em dezembro de 2023, quando a filha decidiu revelar o que se passava.
A partir disso, ela decidiu tirar a filha do clube e denunciar o caso a diversas instituições. “Meu objetivo como mãe é romper esse silêncio que existe há muitos anos nesse clube. Há atletas que tentaram suicídio ou deixaram de nadar ouvindo barbaridades dele”, declarou a Ana Paula.
A mãe da atleta disse que, após a denúncia ter ocorrido, o namorado de sua filha chegou a ser ameaçado pelo técnico, uma vez que também ele é atleta do Minas Tênis.
Ana Paula acrescentou que o Clube recebeu a denúncia e a tratou de forma cortês, mas não mostrou o respeito que ela esperava. “Foi-me dito que esse treinador é doente pelo Clube. Eu digo que esse treinador não é doente pelo Clube, ele é a doença do Clube”, criticou.
Fabiana Rangel, a representante do Minas Tênis Clube, disse que a instituição recebeu uma única denúncia contra um dos dois técnicos que treinam a equipe Júnior de natação.
“Não se trata de denúncia sexual, mas se refere ao tratamento verbal. Foi um único fato ocorrido em 10 de dezembro. A comissão (do Clube) apurou os fatos e concluiu pela não comprovação das denúncias e por isso o técnico foi mantido no quadro de empregados”, afirmou a assessora jurídica.
Apesar disso, a investigação apontou três infrações do técnico, ex-atleta campeão mundial e panamericano, contratado como técnico em 2006.
As infrações, segundo ela, foram a realização de um treino não autorizado, a recomendação de tratamento fisioterápico em desvio de função e o destempero verbal.
“Em algumas situações, na coletividade, ele por vezes se excedeu no tratamento verbal com os atletas, de uma forma que o Clube não concorda”, declarou Fabiana Rangel.
Por essas razões, mas não pela denúncia específica feita por Ana Paula, o Clube decidiu suspender o técnico por sete dias e o colocaram para treinar uma equipe mais jovem.
Fabiana Rangel acrescentou que o Minas Tênis Clube tem 1.295 empregados, quase 600 deles mulheres. Segundo ela, diversos órgãos internos e campanhas educativas visam assegurar o cumprimento de leis e normas internas contra violência de qualquer tipo.
O nome do técnico não foi citado por nenhum participante da audiência pública.
Legislação não trata violência psicológica como crime
O delegado Diego Almeida Mendonça, da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente da Polícia Civil, disse que o inquérito policial sobre o caso foi instaurado e concluído para que seja elaborado o relatório pela autoridade policial, mas por tratar-se de um processo sigiloso, não podia informar mais detalhes.
Apesar disso, o delegado chamou atenção para a dificuldade de enquadrar denúncias de violência psicológica como crime, diante do que estabelece a lei.
“O processo penal não existe, pois não é uma conduta criminosa (prevista em lei)”, citou ele, complementando que a violência psicológica contra mulher até é citada na legislação, mas está mais relacionada à violência doméstica.
Diego Mendonça, no entanto, ressaltou que isso pode mudar com o aperfeiçoamento da legislação. “Até janeiro deste ano, o bullying também não era crime”, exemplificou o delegado.
A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), chamou atenção para a banalidade da violência psicológica no esporte, inclusive naquele que envolve atletas muito jovens. Ela citou uma pesquisa realizada pela ex-nadadora brasileira Joanna Maranhão, que já relatou ter sofrido abusos do seu treinador quando tinha nove anos de idade.
Em sua pesquisa de mestrado, Joanna Maranhão registrou que 93% dos 1.043 atletas entrevistados relataram já ter sofrido violência psicológica.
No mesmo grupo pesquisado, 64% disseram ter sofrido assédio sexual. Os dados chamam atenção para o fato de que a violência psicológica, muitas vezes desprezada, facilita o surgimento de outros tipos de violência, seja física ou sexual.
“A violência no esporte é um problema ainda pouco divulgado e notificado. O silenciamento dos casos resulta em subnotificação. Muitos atletas têm medo de retaliação de seus técnicos, e o objetivo de alcançar resultados faz com que atletas suportem absurdos”, afirmou a deputada. Ela avaliou que o caso tratado na audiência pública serve de alerta para a necessidade de vigilância sobre o tema. “Espero que a gente não precise tratar de nenhum outro caso semelhante”, concluiu.
Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais