Professor trabalha ou cumpre pena? Parte I

A professoraLo-Ruama Bastos lança a questão sobre a atividade docente em mais um artigo sobre Educação
Professora e lousa na sala de aula. Trabalho para poucos. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 14 julho, 2024

Por Lo-Ruama Bastos

Quem acompanha o meu trabalho e as minhas pesquisas, possivelmente se lembrará que em 2023 escrevi uma série de artigos em prosa, onde usei Fernando Pessoa para falar da carreira docente.

A ideia era empregar a dor existencial do ajudante de guarda-livros, da cidade de Lisboa – que conhece como poucos, os abatimentos de uma alma – para discorrer pelas dores existenciais dos professores.

E como uma apaixonada pelo poeta e pelo profissional, assim, como pela poesia e pela docência, eu não sei por que cargas d´água achei que a tarefa seria mais simples do que realmente se apresentou.

Afinal de contas, eu versaria o sofrimento de dois bravos e incansáveis sobreviventes: poeta e professor. Mas a verdade é que não foi nada simples.

Enquanto avançava na seleção dos excertos do Livro do Desassossego, eu ficava cada vez mais surpreendidacom a visceral semelhança entre o estado emocional do poeta eo do professor; que, mesmo sendo próximo, havia o distanciamento com a realidade, daquilo que é vivido, de fato.

A situação de ambos era tão limítrofe e real, que o critério de escrita passou da simplicidade pura para uma simplicidade mais profunda, já que, ao relacionar um trecho poético a uma história entreouvida e/ou vivida, a jornada foi se tornando mais pungente– dada as condições da existência e da organização do trabalhodocente.

Fazer levantamentos sobre o sentido da vida e sobre quais seriam os propósitos do nosso trabalho pode ser um dedo na ferida, principalmente, para quem não dá conta dos questionamentos existenciais.

A literatura e a experiência dizem que não é simples indagar vazios e revolver velhas questões, mas, é necessário. E talvez seja porque é menos difícil perguntar, que responder ou entender e aceitar a resposta; ou talvez, mais justo estender as indagações do que simplificar as complexidades da vida.

Trocando em miúdos, é possível que seja mais fácil apontar problemas, que soluções; ou mais fácil falar que a carreira docente não tenha valor socioeconômico, do que versar a vida como uma “loucura lenta de desconsolo”, onde há pouco ou nenhumsentido – e na verdade é a gente quem deveria dar.

Talvez seja mais fácil apenas dizer, sem debater, que quem vive como professor no Brasil, “não morre: acaba, murcha, desvegeta-se”, do que explicar que esse murchar é uma ação investida pelo sistema, com a ajuda de parte da sociedade ecom uma forte participação nossa que, provavelmentetenha razões na exaustão laboral ou porque evitamos a autoanálise e as suasrespostas indigestas.

Buscando ou não as respostas, continuamos a morrer diariamente em um sistema de cumprimento de tarefas e deveres como se fossem penalidades. Somos exigidos com imposições e continuamos nos sentando com as queixas, quando deveríamos entender os porquês de tanto condicionamento.

Falar que “a vida está cheia de paradoxos como as rosas de espinhos” é perceber que, mesmo sendo um dos pilares mais importantes para o desenvolvimento de uma nação, o professor é destroçado em uma rotina atroz, que ao invés de estar no trabalho, parece estar cumprindo pena. Já não trabalhamos mais. Nós cumprimos ordens.

Bernardo Soares descreve uma vida de angústia e sem grandes perspectivas. Em um dado momento, o ajudante de guarda-livros olha o seu coração “como quem sabe estar morto; com a alma só comovida do sonho e pouco da vida” e tendo que escolher o que detesta.

O sistema prisional dado aos profissionais da educação pública brasileira obriga que professores cumpram penas sem terem crime, culpa ou voz. Escravos forros, presos de políticos perversos.

Continua.                          

Sobre a autora:

Lo-RuamaLóring Bastos é Mestra em Educação e Docência (UFMG); Pesquisadora; Historiadora; Professora; Especialista em HQ; Formação Docente; Metodologias de Ensino; Avaliações Diagnóstica, Sistêmica e Externas (Saeb/Ideb/Pisa); Devolutivas Pedagógicas; Mal-estar Docente; Cultura de bem-estar Escolar; BNCC e Letramento Socioemocional

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