Antes mesmo de discorrer sobre o tema proposto, é de bom alvitre que se esclareça sobre os dois substantivos que o protagonizam.
Sem a pretensão professoral, mas no intuito ilustrativo, tem-se que o substantivo feminino NORMALIDADE é relativo ao adjetivo NORMAL, conforme dicionários pátrios, que exprime conformidade com a regra, dentro das normas, modelo, exemplar, natural.
Já o substantivo feminino ANORMALIDADE é relativo ao adjetivo ANORMAL que exprime exatamente o contrário do que é NORMAL.
Dito isso, trago à baila alguns contrapontos muito recorrentes na vida dos brasileiros, desde sempre e que fazem parte do controvertido comportamento de uma população miscigenada que, ao conviver com repetidas enganações e estelionatos, passou a assimilar os golpes com passividade, muitas vezes confundida com pacificidade.
Algumas incongruências e incoerências danosas ao progresso de toda uma nação foram e são perpetrados à luz do dia sendo que muitas vezes não nos apercebamos disso.
Eis aqui um aperitivo, já que não pretendo nem consigo esgotar o assunto, mas posso, pelo menos, aguçar alguns sentimentos tendentes ao raciocínio equilibrado e satisfatório a cada um particularmente.
A começar pela paixão nacional, o futebol, caso um árbitro, ao encerrar um grande jogo, com a vitória de um determinado time, declara publicamente, VENCEMOS! É normal ou anormal?
A realização de eleições, seja para que cargo for, sem a possibilidade de uma auditoria em caso de necessidade, é normal ou anormal?
Alterar a regra do jogo, durante a realização de uma partida, para beneficiar um dos concorrentes é normal ou anormal?
A suposta vítima atuar como julgador é normal ou anormal?
Um operador do direito classificar um ato ou fato como crime, sem definição legal e normal ou anormal?
Calar-se diante de ilegalidades flagrantes, tendo poder e o dever de coibi-las é normal ou anormal?
Ceifar ou restringir direitos constitucionais sem obediência aos preceitos legais da ampla defesa e do competente processo regular é normal ou anormal?
Apontar um culpado antes do julgamento legal é normal ou anormal?
Permitir que pessoas condenadas por crimes concorram a altos cargos políticos ou sejam indicadas para altos cargos públicos é normal ou anormal?
Usar do alto cargo para cometer abusos e arbitrariedades visando obter vantagens pessoais é normal ou anormal?
Negociar direitos alheios conforme sua vontade é normal ou anormal?
Definir políticas públicas, tendo autoridade para tal, para atender desejos pessoais ou partidários é normal ou anormal?
Viver numa e pregar uma democracia e defender ditadores e ditaduras é normal ou anormal?
Mentir deliberada e reincidentemente para angariar simpatia e alcançar vantagens ilícitas, escarnecendo da inteligência alheia é normal ou anormal?
Perseguir, ameaçar, extorquir, chantagear, cancelar ou até mesmo exterminar, em tempos de paz os opositores políticos ou aqueles que divergem da sua opinião é normal ou anormal?
Abandonar a legislatura para a qual foi eleito para concorrer a outro cargo eletivo é normal ou anormal?
Firmar acordo ou pacto ou contrato com pessoas reconhecidamente criminosas é normal ou anormal?
Eleger seguidamente políticos que a cada campanha promete mudanças e renovação é normal ou anormal?
Ser eleito com votos de outro candidato é normal ou anormal?
Talvez, quem sabe, o enfoque abordado possa, um dia, nortear nossa tendência e a partir daí, ainda no campo das possibilidades, poder-se à traçar um perfil da população brasileira a ponto de definir com mais objetividade o nosso destino.
Provavelmente, ao entender o universo dos pontos elencados, as incertezas estarão presentes, especialmente quando o fantasma do “leve vantagem você também” surgir entre os objetivos finais, nesse caso, a caminhada será mais longa.
A vacância entre o NORMAL e o ANORMAL trará, com certeza, sequelas irreversíveis a curto e médio prazo, as ANORMALIDADES, ao superarem a NORMALIDADE, incidirão nos sentidos e no pensamento coletivo racional, interferindo no curso cíclico da História, trazendo de volta lembranças de tempos sombrios, nefastos e aterrorizantes.
Nesse caso, havemos de adequar nossos conceitos ou sucumbirmos ao som das trombetas.
Paz e Luz.
Sobre o autor:
Marcius Túlio é Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais