O poeta da revolução

Nem só de revolução viveu o poeta Vladimir Maiakovski, que cantou também as dores do amor que não se prolongou, em razão do relacionamento mantido com Lília, casada com outra pessoa
Vladimir Maiakovski, poeta russo que se matou aos 36 anos, em 1930. Ele foi o poeta da revolução. Foto: Reprodução da Internet
quarta-feira, 27 setembro, 2023

Autor: Amaury Silva

Quem vê assim a foto despretensiosa, mostrando um semblante liso e provocador de meio debochado, com um cigarro preso pelos lábios no canto da boca; um sobretudo suficiente para o frio físico; uma boina atravessada na cabeleira negra, formando combinação de contrastes com uma gravata borboleta, pode até imaginar que se trata de um boêmio que se deixou exibir ou de um burocrata em momento de descanso. Mas, essa imagem é histórica de 1915 do poeta Vladimir Maiakovski, antes da Revolução Bolchevique de 1917 que levou à formação da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Maiakovski foi o escritor e artista de maior engajamento político na defesa de uma causa revolucionária, inserindo a necessidade de comunicação ao povo para obtenção de seu apoio, através da cultura e da arte em defesa da revolução russa. Mesmo antes da deflagração da tomada de poder revolucionário, o poeta que também atuou como ator, dramaturgo e pintor, se alinhava ao movimento do cubofuturismo, um arranjo eclético entre o cubismo e o futurismo, buscando como integração de contraponto, as artes populares.

Como cubofuturista pode ser compreendida a expressão artística de pintores e poetas russos, da qual emerge as duas características, sendo o cubismo mais diretamente incidente sobre a pintura como as formas geométricas nos contornos e definições das imagens; utilização de colagens e exclusão das perspectivas visuais, principalmente aquele tridimensional e o emprego das cores herméticas, que não provocam uma sensação de ostensividade (como o preto, marrom, branco, cinza).  Já do futurismo, a influência pode ser tratada como a ideia de rompimento com a tradição; adesão a um apreço à tecnologia, como o prestígio da velocidade e uma intensidade na dinâmica de um novo modo de vida.

Na versão russa e que foi capitaneada pelo poeta bolchevique a aproximação das manifestações folclóricas e populares da arte, criou um segmento muito ao contexto da arte mais do que engajada, mas verdadeiro componente que integrou o movimento de convencimento, após a tomada do poder pelos revolucionários, para a aceitação e confirmação da população quanto aos novos pilares trazidos pelo socialismo. O poeta, filho de camponeses pobres, órfão de pai ainda criança, teve que mudar-se com a mãe da Geórgia para Moscou. Foi no trabalho que fazia com a mãe, entregando marmitas de comidas em casas de hospedagem, que foi arrebatado pelo marxismo.

Se essa continuidade poderia ser chamada pelos teóricos de revolução continuada, Maiakovski confirmou o ideário de argumento de autoridade advindo da arte para o povo, quase sem exemplo igual no mundo.  Militante sem disfarces, fez da homenagem ao líder, na de Lênin, o chamamento para a continuidade: Dessa bandeira / de cada dobra / novamente / vivo / Lenin conclama: / – Proletários, / formem-se / para a última batalha! / Escravos, / endireitem / as colunas e os joelhos! / Exército dos proletários, / levante-se esguio! / Viva a revolução, / radiante e veloz! / Essa – / é a única / grande guerra / de todas / que a história já viveu”.

Se nem só de revolução vive o homem e o poeta, Maiakovski cantou também as dores do amor que não se prolongou, em razão do relacionamento mantido com Lília, casada com outra pessoa, mas que resistiu ao rompimento para uma nova vida ao lado do poeta: Afora o teu olhar/ nenhuma lâmina me atrai com seu brilho. Amanhã esquecerás que eu te pus num pedestal, que incendiei de amor uma alma livre, e os dias vãos — rodopiante carnaval — dispersarão as folhas dos meus livros… Acaso as folhas secas destes versos far-te-ão parar, respiração opressa? Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia teu passo que se apressa.

Declamações em auditórios e reuniões políticas, escritos contundentes, a palavra compunha o arsenal de Maiakovski como o grande arauto da propaganda revolucionária. A poesia crítica não faz concessões a uma supremacia do estético, que queira ser estabelecida para além do processo histórico. Grande exemplo da função da obra poética de Maiakovski que não se desprende da luta política que reputa irrenunciável. 

No poema, A Vocês!, o poeta russo repudia  o poder czarista que não larga seus deleites, insensível ao estado bélico da nação: Vocês que vão de orgia em orgia, vocês /  Que têm mornos bidês e W.C.s, / Não se envergonham ao ler os noticiários / Sobre a cruz de São Jorge nos diários? / Sabem vocês, inúteis, diletantes / Que só pensam encher a pança e o cofre, / Que talvez uma bomba neste instante / Arranca as pernas ao tenente Pietrov? ...E se ele, conduzido ao matadouro, / Pudesse vislumbrar, banhado em sangue, / Como vocês, lábios untados de gordura, / Lúbricos trauteiam Sievieriânin! / Vocês, gozadores de fêmeas e de pratos, / Dar a vida por suas bacanais? / Mil vezes antes no bar às putas / Ficar servindo suco de ananás. (tradução Augusto de Campos).

Se as revoluções modernas podem ser feitas, segundo Srdja Popovic (Blueprint for Revolution (Plano de Ação para a Revolução - 2015; Spigel & Grau Trade), por um conjunto de estratégias em forma de decálogo, que não prevê expressamente a arte e cultura como instrumento, é sinal que a poesia de Maiakovski deixou para sempre a lição inconfundível. Toda a revolução é inacabada.

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