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Enxurrada, lamas e redenção

O Rio Doce, um dos mais importantes dos Estados atingidos se tornou literalmente um Rio de Lama contaminada por reagentes químicos dos quais ainda não se sabe a dimensão.
O Rio Doce em foto de Ailton Catão.
domingo, 19 maio, 2024

Governador Valadares, MG, maio de 2024, estamos a seis meses para completar nove longos anos do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, MG, ocorrida em 5 de novembro de 2015.

Parece que foi ontem esta tragédia ambiental, provocada pela ação humana, que causou mortes e destruição em dezenas de cidades nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, sendo considerada à época a maior catástrofe ambiental do país.

A gigante SAMARCO, mineradora controlada pelas não menos gigantes Vale e BHP Billiton, responsável pelo empreendimento criminoso agiu de forma rápida para aplicar um paliativo, mais para placebo, socorrendo com migalhas a população atingida, com aquiescência soturna das autoridades, criando um litígio que se arrasta até os dias atuais, com flagrantes acenos de sucumbência aos atingidos.

O Rio Doce, um dos mais importantes dos Estados atingidos se tornou literalmente um Rio de Lama contaminada por reagentes químicos dos quais ainda não se sabe a dimensão.

Para os valadarenses, não bastasse o Rio de Lama, cujos efeitos foram devastadores e recorrentes, o pior ainda estava por vir, desta feita, além dos efeitos ambientais, recaíram uma nova enxurrada, a da corrupção, carinhosamente(?) chamada Mar de Lama.

Ainda que nós, os mortais, tivéssemos acesso a apenas uma pequena ponta do iceberg, ele se mostrou muito maior e o que é pior, da mesma forma que o Rio de Lama, os responsáveis foram legitimamente identificados, e o assunto parece ter sido encerrado.

Em que pese alguns ensaios de retaliações ou punições, em ambos os casos, a vida seguiu sem maiores incidentes de percurso, que até poderiam ser chamados de justiça, caso seguidas as ações persecutórias que a situação exigia ou exige.

A mineradora continua suas atividades normalmente com sua ficha limpa tal qual “trazeiro de santo”, afinal, o Rio de Lama foi apenas “um rio que passou nas nossas vidas” e o mar, o de Lama, parece ter se tornado uma fonte de águas, ou de lama retroalimentáveis, já que os protagonistas retornaram à cena do crime, como já dizia nosso atuante Vice Presidente em exercício.

Tudo parece orquestrado para ser um retorno triunfal, com algumas, poucas, “caras” novas, discursos mirabolantes e pragmáticos, mas com ações retrógradas e casuísticas e com disposição para implementar ou mesmo continuar o que foi brutalmente iniciado naquele mar, muito parecido com aquela estória dos mosquitos diferentes.

De enxurrada em enxurrada, seria muito bom se tivéssemos aprendido algo que realmente nos trouxesse ganhos substanciais em nossa caminhada e na tentativa de nos tornarmos uma civilização altruísta. Seria muito bom se nossas decisões visassem o futuro, mesmo que a longo prazo. Seria muito bom se nossos erros não fossem persistentes a ponto de ceifar a razão.

Estamos no limiar de uma nova escolha que nos dará o norte para alavancarmos nossa cidade ou para decretar sua submissão aos desígnios de uma política imediatista e auto suficiente que coloca os interesses de perpetuação no poder acima dos interesses da população.

“L’Etat c’est moi”, “O Estado sou eu”, célebre frase de Luis XlV (1638-1715), em confronto com “O Estado somos nós”, a nação, a população.

As enxurradas quando moderadas podem até limpar esgotos e bueiros, se permanentes e/ou recorrentes causam “enchentes”, com estas, tudo se vai, inclusive a vergonha e a dignidade.

Mas, ainda vige, pelo menos por enquanto, nosso poder de escolha que será um sinal emblemático para o futuro próximo, o retorno pode ser bem mais difícil.

Paz e Luz.  

Marcius Túlio é Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais e analista político

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