por Lo-Ruama Lóring Bastos
Já gastamos a metade do mês de janeiro. O calendário, esse arauto ocidental do tempo cronológico, diz que há quinze dias um ano morreu e outro nasceu“ novinho em folha”!
Sempre achei interessante essa expressão popular, quando colocada no contexto do tempo. No caso do réveillon, por exemplo, seu poder está em gerar uma tradicional expectação otimista, que recheada de possibilidades inéditas, nos direciona para uma lista várias de sonhos que não foram realizados no falecido ano.
Por vezes, nem mesmo céticos e pessimistas escapam do sentimento de esperança que a virada de ano provoca em seus planos e em suas decisões. É como um fio mágico que visita o íntimo do sujeito, levando-o a uma autorreflexão, onde desejos e conquistas são analisados, e com sorte, reelaborados.
Segundo a revista Aventuras na História, o significado da expressão “novo em folha” servepara“dizer que algo nunca foi usado ou que, se já foi, está em ótimo estado”. A origem do termo “vem das folhas de papel branquinhas, limpinhas e sem amassados dos livros novos quando acabam de ser impressos. São livros novos em folha”.
Ao considerar a analogia do livro com o ano e de suas folhas com os dias ou meses, em seus valores de tempo absoluto – já que, uma hora sempre terá sessenta minutos; um dia, vinte e quatro horas; uma semana, sete dias – a finitude de um ano pode simbolizar o início de outro, mas, tal estreia não significa que o novo ano será, propriamente, “novo em folha”.
Neste caso, o sentido histórico de tempo é relativo e não está limitado ao calendário. A expressão denota um tempo (ainda) não vivido, que, indiscutivelmente poderá ter seus capítulos de folhas limpas, não folheadas; mas é improvável que aconteça o absoluto inédito.
Além das mudanças e rupturas, um dos elementos mais importantes para acompreensão dos processos históricossão as permanências e as continuidades.
Considerar 2024 novo, no sentido de inédito é uma coisa. Apontá-lo como se fosse uma tela em branco, pronto para desenhos novos, é um ledo engano; pois, nós o continuamos e a grande maioria das questões dos nossos eixos estruturantes não são alterados.
As vivências anteriores vão se arrastando para o seio do novo calendário e permeando nos dias do novo ano.
Por tradição ocidental tomamos a data como um importante ritual de planejamentos, promessas, decisões e metas. Só que a gente sabe que não existe um rompimento brusco da vida assim, de um dia pro outro, só porque o calendário gregoriano determinou.
A vida se movimenta a partir dos acontecimentos, das questões que nos cercam, da rotina, dos imperativos, das contingências... e continuamos, e vamos vivendo em fluxo, ainda que rompendo em meio a embaraços e escolhas.
Ainda que mês passado fosse 2023 e hoje seja 2024, nós prosseguimos na caminhada. Para o bem ou para o mal, as mudanças acabam nos alcançando (ou nos açoitando). Não só porque decidimospor mudanças comportamentais, mas, porque existem as contingências da vida. A questão nem é sobre traçar objetivos ou fazer promessas, mas, o que faremos de nós daqui em diante?
Nós podemos decidir, escolher, ir e vir, mas não controlamos as eventualidades da vida e sabemos que elas podem ser avassaladoras (devastadoras ou favorecedoras). Mas, o que desejamos? O que, de fato é possível realizar?
CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO.