DA AGÊNCIA GOV
Uma epidemia silenciosa. Assim pode ser definido o aumento de casos de suicídios no Brasil e em outros países de média e baixa renda.
O mais recente Boletim Epidemiológico elaborado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, revela crescimento de 42% de casos entre 2010 e 2021 no país, dados que incluem crianças e adolescentes.
Especialistas da Rede Ebserh reforçam a importância da informação, da escuta, da empatia e do tratamento para ajudar as pessoas em sofrimento psíquico.
Afinal, o suicídio pode ser prevenido. Esse é o foco da campanha Setembro Amarelo, que tem como lema deste ano: “Se precisar, peça ajuda!”.
Para a psiquiatra do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) Isabela Pina, a prevenção do suicídio é uma responsabilidade coletiva e deve ser tratada com seriedade e sensibilidade.
“Um diálogo bem-informado e empático pode fazer a diferença significativa na vida de muitos e contribuir para uma sociedade mais compreensiva e solidária”, afirma a médica.
O estigma e o tabu sobre o assunto dificultam esse diálogo.
“Eles geram um silêncio que pode impedir as pessoas em risco de buscar ajuda. O suicídio é uma das principais causas de morte no mundo e tem um impacto coletivo devastador. As repercussões emocionais, sociais e econômicas são profundas e afetam uma rede de pessoas”, destaca a psiquiatra do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), Gabriela Scalia.
Segundo Isabela Pina, há uma falta de entendimento sobre a saúde mental, transtornos mentais e as complexidades que levam a comportamentos suicidas.
“Isso pode levar a percepções errôneas e à crença de que o suicídio é uma escolha simples ou uma decisão deliberada. É crucial que a abordagem não caia em reducionismos, como o suicídio ser associado à ‘falta de força’, à ‘falta de Deus’ ou a uma ‘atitude negativa’, nem que se adote a ‘positividade tóxica’, que força uma visão excessivamente otimista e superficial, do tipo ‘basta pensar positivo’ ou ‘as coisas sempre melhoram’. Isso pode ser contraproducente”, reforça a psiquiatra do HC-UFPE.
Atenção com crianças e jovens
Em 2021, o suicídio representou a 27ª causa de morte no Brasil, na população geral. Mas, entre a população adolescente e adulta jovem, esse dado fica ainda mais grave: nas faixas etárias de 15 a 19 anos e de 20 a 29 anos, o suicídio ocupou a terceira e a quarta maior causa de mortalidade, nessa ordem. Entre crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, representou a 11ª causa.
“A taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 e 2022, e as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos de idade evoluíram 29% ao ano no mesmo período, segundo dados de um estudo de março de 2024 publicado na revista The Lancet Regional Health - Americas”, alerta Isabela Pina.
O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. “Precisamos ampliar as discussões sobre transtornos mentais (principalmente ansiedade, depressão, insônia e uso de drogas), mas também precisamos ampliar as discussões sobre os determinantes sociais da saúde, os fatores socioeconômicos, em especial, aumento da desigualdade social, pobreza e falta de oportunidades de futuro para esses jovens. O uso de mídias digitais, telas e celulares também acelerou o adoecimento, deixando muitas pessoas mais estressadas, desatentas, ansiosas e deprimidas”, comenta Pina.
Redes sociais e telas
O uso das redes sociais também tem um papel importante nesse processo, em especial para a geração Z, os nascidos entre 1995 e 2012.
“O psicólogo social Jonathan Haidt, em seu livro ‘A Geração Ansiosa’, argumenta que o uso excessivo de redes sociais, como Instagram e TikTok, está associado a um aumento nos índices de ansiedade, depressão e problemas de autoimagem, principalmente entre as meninas, condições que podem levar ao suicídio.
Ele sugere que essas plataformas amplificam a comparação social e a pressão para se conformar a certos padrões estéticos em pessoas que estão em pleno desenvolvimento emocional e imaturas em vários aspectos de habilidade social e controle cognitivo e comportamental”, completa Scalia.
Os transtornos de humor (como depressão e o afetivo bipolar) estão associados ao comportamento suicida em 35,8% dos casos, enquanto o transtorno por uso de substâncias psicoativas (dependência de álcool, de crack e outras drogas) em 22,4% dos casos; e o quadro de esquizofrenia em 10,6%.
“Tais condições podem afetar de maneira significativa a vida e saúde das pessoas, inclusive provocando sensações de desesperança, pensamentos de conteúdo negativo e de esvaziamento, podendo precipitar pensamentos de morte e/ou suicídio diretamente”, pontua Gabriela Scalia.
Tratamento
Todos esses transtornos têm tratamento, logo, é possível ajudar as pessoas em sofrimento e prevenir o suicídio, a partir de uma maior conscientização, intervenção precoce e estratégias de prevenção eficazes.
A cartilha "Informando para prevenir", publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Conselho Federal de Medicina (CFM), traz o dado de que 96,8% dos casos de suicídio registrados estão associados a histórico de doenças mentais, que podem ser tratadas.
No SUS, existe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que é constituída por um conjunto integrado e articulado de diferentes pontos de atenção para pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. A Rede estabelece ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado.
“Os atendimentos em saúde mental são realizados na Atenção Primária à Saúde (APS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde o usuário recebe assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme a situação de cada pessoa. Em algumas modalidades desses serviços também há possibilidade de acolhimento noturno e/ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade, muitas vezes, em leito de saúde mental em hospital geral (como em diversos da Rede Ebserh)”, explica Gabriela Scalia.
Isabela Pina destaca ainda o CAPASi (Centro de Atenção Psicossocial Infantil), as unidades de saúde da família e iniciativas como o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188; o Mapa de saúde mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário gratuito e o canal lançado pela Unicef, Pode Falar.