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Uso de instâncias de mediação para dirimir conflitos ambientais é sugerido

Em audiência, são postos frente a frente produtores rurais que receberam altas multas ambientais e autoridades da área, em busca de soluções.
Produtores rurais do Norte de Minas e servidores do meio ambiente lotaram o Auditório para acompanhar a reunião. Foto: Daniel Protzner ALMG
sábado, 14 junho, 2025

A utilização de grupo de trabalho e de instâncias de mediação para tentar dirimir conflitos envolvendo órgãos do estado e produtores rurais da porção norte do estado, a quem foram aplicadas multas ambientais. Essa foi a principal proposta retirada da audiência pública que a Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta sexta-feira (13/6/25).

Solicitada pelo presidente da comissão, deputado Ricardo Campos (PT), a reunião foi um desdobramento de outra realizada pela comissão em abril deste ano, a qual tratou da suposta atuação equivocada do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e da Polícia Militar de Meio Ambiente. Servidores desses órgãos estariam multando indevidamente produtores rurais e agricultores familiares assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), muitas vezes, em desacordo com a legislação.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

O promotor de justiça Luciano Badini Martins, que coordena o Centro de Autocomposição de Conflitos e Segurança Jurídica do Ministério Público (Compor) colocou essa instância à disposição da comissão. Ele destacou que o Compor, criado em 2021, engloba várias câmaras de mediação, nas quais é buscado o consenso entre as partes de conflitos, o que inclui prefeitos, vereadores, movimentos sociais, servidores públicos entre outros. “Em reuniões de até 4 horas, fazemos escuta cuidadosa, ativa e paciente de todas as visões sobre o mesmo fato”, afirmou.

Ele comemorou o fato de que, entre 500 casos que passaram pelo Compor, 91% obtiveram soluções satisfatórias, graças principalmente a alta qualificação dos promotores em mediação. Esse índice é muito superior à média de outras câmaras de mediação, aproximadamente de 30% de resolução.

Mesa de Diálogo

O desembargador Leopoldo Mameluque, coordenador da Comissão de Solução de Conflitos Fundiários (CSCF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, disse que, viajando pelo estado, constatou que a maioria dos conflitos ambientais está na porção norte de Minas. 

“A questão é mais complexa nessa região, onde há falta de instrução e conhecimento; muitas vezes, analfabetismo; grandes áreas que não se sabe a quem pertencem, áreas devolutas ocupadas de maneiras diferentes”, enumerou. 

Ele destacou que a CSCF atua em 200 processos, envolvendo ocupações coletivas (onde há mais de 3 famílias envolvidas) e já visitou 94 áreas desses conflitos, conseguindo resolver cerca de 30. Ele deu alguns exemplos no norte de Minas: Em Jequitaí, 54 famílias ocupantes de um terreno o compraram posteriormente através de financiamento o Banco do Brasil. Em Pirapora, o Incra assentou 500 famílias que ocupavam há 20 anos as terras da Fazenda Prata, que faliu, com grandes dívidas com o governo federal.

Como proposta, o magistrado sugeriu a reativação da Mesa de Diálogo, instância importante para buscar consensos na área ambiental. E disse que pretende integrar essa mesa, junto com outras autoridades, para resolver coletivamente as questões.

Grupo de trabalho

Já a secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Carvalho de Melo, falou sobre o grupo de trabalho criado pela pasta. O grupo buscará ouvir as demandas dos produtores que se sintam prejudicados pela aplicação de multas.

“Precisamos entender cada realidade, abrindo esse espaço de escuta, para depois fazermos a análise qualitativa dos processos”, avaliou.

Segundo ela, foi dado o prazo de 30 dias para pessoas físicas e entidades apresentarem esses casos, que serão estudados pela Semad junto com a Advocacia-Geral do Estado (AGE), na Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC).

Marília Carvalho disse que há uma preocupação com crescimento do desmatamento em Minas, a partir de 2022, com 153% de aumento na Mata Atlântica e 63% no Cerrado. E com a atuação da fiscalização, houve redução de 28% 40% respectivamente. E completou que a maior parte do desmatamento ocorre na região norte de Minas.

Completou que a Semad está fazendo estudos sobre a diferença entre limpeza de áreas e desmatamento. 

“As formações do norte de Minas são diferentes da Mata Atlântica; e precisamos criar critérios objetivos para estabelecer as diferenças. E defendeu a aprovação do Programa de Conversão de Multas Ambientais, que possibilitará descontos de até 70% em multas e aplicação de 50% da arrecadação em projetos ambientais.

Ampliação das instâncias

O deputado Ricardo Campos, ao final da reunião, anunciou requerimentos que buscam ampliar a atuação dessas instâncias já existentes na Semad, na AGE e no MP. Foi solicitada maior participação das entidades representativas dos produtores rurais nos processos de mediação do Compor, da CPRAC e do grupo de trabalho, envolvendo a discussão das multas ambientais.

Foi também proposta a criação de uma ouvidoria especializada para tratamento de multas consideradas descabidas. Ele anunciou a criação de uma câmara técnica especial para receber manifestações de cidadãos. Também será enviada à Semad pedido de providências para que seja suspensa a tramitação de multas para assentados e acampados até que sejam mediados os conflitos no Compor.

Produtores rurais reclamam de multas abusivas

Mariana Ramos, gerente de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), avaliou que é preciso aperfeiçoar o arcabouço jurídico para que os produtores rurais não sejam tratados como foras da lei. 

“Muitas vezes, a legislação não tem pleno entendimento do papel do agropecuarista; por isso, buscamos um ponto de equilíbrio”, disse.

De acordo com a gestora, os proprietários rurais preservam mais de 33% de seus territórios e não compactuam com o desmatamento.

“Queremos segurança jurídica para quem produz alimentos e gera empregos e renda”, concluiu.

O vereador Vicente Santana, de Montalvânia (Norte), lembrou que alguns assentados da reforma agrária receberam multas de R$ 300 mil enquanto ocupam áreas que valem R$ 100 mil. “Estamos encurralados; sem produzir, não temos como sobreviver”, declarou.

Renata Abreu, presidenta da Câmara Municipal de Montalvânia, disse que as multas injustas e desproporcionais colocam em risco a estabilidade financeira dos produtores rurais.

“Temos que revisar a aplicação de multas, oferecer apoio e orientação aos agricultores, promover o diálogo entre o poder público e a sociedade, para chegarmos ao desenvolvimento sustentável da região”, propôs. 

Edilson Pinto, vice-prefeito de Manga (Norte), reclamou que, mesmo com baixo número de policiais na cidade, não faltam deles para multar os agricultores e os vazanteiros.

Maior rigor com o Norte de Minas

O deputado federal Paulo Guedes (PT-MG), destacou que as regiões Norte e os Vales do Jequitinhonha e Mucuri representam 44% do território mineiro, 15% da população do estado e apenas 9% do PIB. Frisou que o Sul e o Triângulo não sofreram o mesmo rigor que a porção norte do estado sente hoje na questão ambiental. 

“Nossa região não teve acesso à informação, à educação e a investimentos; muitos produtores sobrevivem da sua terra com dificuldade, sem assistência e informação para saber se estão ou não infringindo alguma lei”, contou.

Ele reclamou que, muitas vezes, o agricultor roça um pasto e é colocado como desmatador. “Queremos políticas direcionadas para a orientação das pessoas, não da aplicação de multas; que o IEF, a Semad e outros órgãos nos orientem”, reivindicou. Ele pediu o cancelamento, ou no mínimo, a revisão da multas.

O deputado Antonio Carlos Arantes (PL) avaliou que é possível produzir e preservar ao mesmo tempo, “conciliando a fauna, a flora e o cidadão”. Reforçou a necessidade de interpretação dos fatos, evitando-se o equívoco de considerar limpeza de pastagem como desmatamento.

Contraponto

Wallace Alves Silva, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente de Minas Gerais, mostrou-se indignado com a narrativa de que os fiscais estariam atuado com truculência, quando na verdade seriam erros pontuais. E cobrou dos sindicatos rurais suporte técnico e jurídico para os produtores conseguirem licenciamento ambiental.

Lembrou ainda que o pequeno produtor pode conseguir 50% de desconto na multa.

“Falta também acesso dos produtores à informação”, reclamou. “Paus e pedras contra os servidores não resolvem o problema; nosso trabalho é para que a agricultura exista hoje e para os nossos filhos e netos”, concluiu ele, colocando o sindicato como aliado dos agricultores. 

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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