Projeto que institui política de agricultura irrigada gera discussão

Defensores da proposta destacam auxílio a produtores rurais, enquanto críticos temem seus impactos ambientais
Dispositivos do projeto têm gerado controvérsia entre deputados, produtores rurais e ambientalistas. Foto: Luiz Santana/ALMG
quarta-feira, 29 maio, 2024

Pronto para votação definitiva no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Projeto de Lei (PL) 754/15, do deputado Antonio Carlos Arantes (PL), que originalmente regulamenta a outorga coletiva do direito de uso da água, tem gerado controvérsia entre deputados, produtores rurais e ambientalistas. A proposição foi tema de debate nesta quarta-feira (29/5/24), na Comissão de Participação Popular.

A outorga coletiva é uma solução alternativa na resolução de conflitos de acesso à água, por meio da gestão participativa dos usuários de um sistema hídrico.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião

Durante sua tramitação, o projeto também passou a instituir a Política Estadual de Agricultura Irrigada Sustentável, foco da maior parte das discussões.

Os defensores da proposta destacam os benefícios do fomento à irrigação principalmente para os pequenos produtores, com o uso da tecnologia para o aumento da produtividade. Já os críticos temem os impactos ambientais da política, em benefício de grandes empreendimentos do agronegócio.

A audiência foi solicitada por parlamentares do Bloco Democracia e Luta. De forma geral, os deputados Doutor Jean Freire (PT), Leleco Pimentel (PT) e Ricardo Campos (PT) e as deputadas Leninha (PT) e Bella Gonçalves (Psol) não desmereceram o projeto como um todo, mas apontaram a necessidade de diálogo para afastar a possibilidade de a política de irrigação ir contra as práticas de sustentabilidade.

Doutor Jean Freire destacou não estar em debate a importância de estruturas de retenção de água. “A discussão é se o projeto está de acordo com as regras ambientais, se protege as nascentes, a natureza”, disse.

Bella Gonçalves lembrou que a disponibilidade hídrica é hoje uma preocupação tanto na zona rural quanto urbana e que a prioridade de acesso deve ser de seres humanos e animais, em detrimento de interesses de grande grupos econômicos.

De acordo com Leleco Pimentel, o projeto autoriza a supressão de mata para a irrigação da agricultura, assim como a supressão de vegetação para criação de espelhos d’água em áreas de parque urbano.

Leninha advertiu que o uso desenfreado das águas disponíveis leva ao esgotamento do solo, com o rebaixamento do lençol freático, e Ricardo Campos se mostrou preocupado com a usurpação de competências dos comitês de bacia.

Tragédia no Rio Grande do Sul deixou alerta

A professora Irene Cardoso, ex-presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia, salientou que o projeto de lei é de 2015 e que precisa ser aperfeiçoado, levando em conta as mudanças climáticas em curso e já sentidas na recente tragédia no Rio Grande do Sul.

No seu entender, as questões centrais da proposição são econômicas, não ambientais. Ela ponderou que a água utilizada na irrigação vem de poços artesianos e rios, sugados sem nenhuma proposta de revitalização.

Ela também chamou atenção para a qualidade da água utilizada na irrigação, que, depois de entrar em contato com agrotóxicos, volta contaminada para os cursos d’água.

Outros pontos abordados pela professora foram a escassez hídrica nas regiões dos grandes projetos de irrigação, o risco da outorga coletiva acabar por favorecer grandes usuários em áreas de conflito e a flexibilização do licenciamento ambiental para estruturas de irrigação consideradas de utilidade pública.

Coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano alertou que empreendimentos de irrigação em áreas de preservação permanente, em margens de rios, pode resultar em algo semelhante ao que se passou no Sul, sem vegetação para segurar a água que vier em grande quantidade.

Deputados enxergam na irrigação um instrumento de transformação

Autor do PL 754/15, o deputado Antonio Carlos Arantes defendeu uma política de reservação de água para impedir a escassez hídrica em áreas mais secas, como o semiárido.

“Minas é provavelmente o estado mais amarrado no desenvolvimento da irrigação como grande instrumento de transformação para o pequeno produtor”, afirmou, ao criticar a legislação mineira.

Ao contrário dos debatedores que citaram o caso do Rio Grande do Sul como um sinal contrário ao projeto, ele argumentou, assim como o deputado federal Diego Andrade (PSD-MG), que estruturas de contenção de água, como barraginhas e barramentos, teriam amenizado o estrago.

Diego Andrade disse que a proposição viabiliza o aumento da área produtiva sem desmatamento, em prol especialmente dos produtores menores. Nesse contexto, a deputada Maria Clara Marra (PSDB) destacou que o agronegócio e o meio ambiente não estão em polos opostos.

Segundo a deputada, relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que, em 25 anos, a maior parte dos alimentos virão da agricultura irrigada.

“Quem produz com responsabilidade preserva”, frisou o deputado Grego da Fundação (PMN). Avaliando que o projeto fortalece o agronegócio, a deputada Lud Falcão (Pode) disse que a sua aprovação trará benefícios para regiões como o Alto Paranaíba e o Noroeste mineiro.

Para o agricultor Marcos Nunes, representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), o projeto não pode prejudicar nem os pequenos produtores nem o meio ambiente. "Ele não pode prejudicar nascentes e mananciais, como temos visto na mineração", disse.

Por sua vez, a representante da Federação da Agricultura do Estado (Faemg), Mariana Ramos, reforçou que a proposta tem potencial de transformar a vida da população nos territórios mais vulneráveis e afetados pela seca. "Ser contra é desejar manter o povo na pobreza e segregar os produtores entre pequenos, médios ou grandes", pontuou.

Governo defende marco regulatório da irrigação

Para Ricardo Demicheli, subsecretário de Estado de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável, o PL irá corrigir distorções e dotar o Estado de um marco regulatório da irrigação por meio de projetos sustentáveis.

Ele relatou que podem ser destravados projetos importantes, como a fase atual do Projeto Jaíba que abrange 68 mil hectares, dos quais 45 mil estão prontos para irrigação, mas somente 28 mil estão sendo contemplados.

A restrição estaria na necessidade de supressão de ipês amarelos, que de forma equivocada estariam sendo considerados nas normas de proteção do programa Pró-Pequi. 

Quanto aos questionamentos relativos ao licenciamento ambiental, Breno Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), avaliou que a proteção constitucional e legal já existente resguardaria análises criteriosas, garantindo, por exemplo, a proteção de veredas, ponto questionado várias vezes na audiência.

O diretor do IEF ainda registrou que as atividades passíveis de declaração de utilidade pública passam por estudos prévios, para análise de conformidade, e por votação na ALMG.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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