Logo Jornal da Cidade - Governador Valadares

Mulheres não são sub-representadas, mas excluídas da política

Debate do Sempre Vivas aborda também a sofisticação da violência de gênero a partir do uso de novas tecnologias, e os avanços e desafios da causa
Ciclo de debates marca o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Foto: Willian Dias/ALMG
terça-feira, 5 março, 2024

Dos 853 municípios mineiros, 22% não tem sequer uma vereadora e 39% têm apenas uma. E o Estado tem somente uma prefeita negra, em São Gotardo (Triângulo). No Brasil, 978 municípios não têm essa representação feminina nas câmaras e 3.185 não têm vereadora negra. Nas prefeituras brasileiras, 88% dos titulares são homens.

Os dados levam as participantes do Ciclo de Debates: Precisamos falar sobre a (in)visibilidade das mulheres a classificar o quadro não como sub-representação, mas como exclusão política de gênero. O evento integra o Sempre Vivas 2024 e foi realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (5/3/24).

“Essa exclusão é multiderminada, mas pode ser resumida assim: homens brancos cis dominam o jogo político e mantêm seu privilégio de poder”, aponta Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem-UFMG). Ela participou da mesa intitulada “Sub-representação das mulheres na política e seus impactos na democracia”.

Para a professora, a paridade de gênero e raça é fator de consolidação da democracia. Ela trouxe vários argumentos para defender a ampliação da participação feminina, como a maior luta por justiça social, o uso mais eficiente de recursos e até a melhoria dos padrões de comportamento político e parlamentar. “É um direito e também uma questão de justiça”, completou.

“Os dados explicam porque a gente não consegue enfrentar de forma verdadeira as violências contra a mulher”, pontuou a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da ALMG.

Ritmo das mudanças é lento

No mesmo painel, a historiadora Tauá Pires avaliou que, a julgar pelo ritmo da eleição de prefeitas no País (hoje apenas 12%), levaremos 144 anos para atingir a paridade de gênero. Tauá é especialista em gestão de políticas públicas em gênero e raça e participa do Instituto Alziras, que realiza o Censo das Prefeitas.

Segundo Tauá, o censo aponta como maiores barreiras para a participação da mulher na política a violência de gênero e a falta de recursos para campanhas. “A mulher na política é mais um retrato da desigualdade no País. E 85% das prefeitas mulheres também são mães e têm que conciliar o trabalho com a maternidade”, destaca.

Já Ermelinda Melo, doutoranda do Programa de Estudos Feministas da Universidade de Coimbra (Portugal) e integrante do Observatório da Mulher na Política (ONMP) da Câmara dos Deputados, salienta que, mesmo eleita, a mulher sofre violência política e segue invisibilizada, fora da Mesa e das comissões, no caso dos parlamentos. “Muitas vezes, ela só tem o mandato para comandar”, pontua.

Violência está mais sofisticada

Na mesa “Escalada das violências contra as mulheres”, a advogada Camila Rufato Duarte, diretora da Comissão de Enfrentamento à Violência contra Mulheres e Meninas da OAB-MG, destacou que a prática da violência contra a mulher está se sofisticando junto com a tecnologia. Segundo ela, os agressores têm utilizado a inteligência artificial para criar imagens falsas de corpos nus que viralizam nas redes sociais. Ela mesma foi uma vítima recente desse tipo de prática.

Ameaças a mulheres feitas por meio virtual, como ocorreu recentemente com deputadas estaduais de Minas e vereadoras de Belo Horizonte, também estão se tornando comuns, segundo Camila. “Até o presente momento, a internet tem sido terra sem lei”, lamentou, ao constatar a falta de estrutura da polícia para lidar com esses casos e do Judiciário para punir os agressores.

Também participante da mesa, Samantha Vilarinho Mello Alves, titular da Coordenadoria Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Cedem), atentou para a necessidade de se capacitar profissionais de duas áreas que funcionam como porta de entrada para vítimas de violência: saúde e educação.

A defensora explica que a maioria dos trabalhadores dessas duas áreas não conhecem os serviços disponíveis para o atendimento e acolhimento das vítimas e nem para fazer os encaminhamentos necessários. “Muitas mulheres são atendidas na sua necessidade médica, por exemplo, mas voltam para casa e novamente são violentadas”, exemplifica.

Ela acredita que essa falta de qualificação leva à negação de direitos e contribui para a escalada da violência contra a mulher. Marlise e Ermelinda argumentaram, porém, que a saúde foi precursora no debate e ações sobre a violência contra as mulheres. “O grande problema é que Minas é um estado patriarcal e vai desmantelando o que foi feito”, afirmou Ermelinda.

Avanços e desafios

Na última mesa do ciclo de debates, "Violência política de gênero: como enfrentar?", Ana Cláudia Oliveira, coordenadora de pesquisa do ONMP da Câmara dos Deputados, destacou avanços na atuação das mulheres nessa casa legislativa, onde ocupam apenas 20% das cadeiras.

Ela lembrou que a Bancada Feminina, no passado conhecida como “Bancada do Batom”, ganhou caráter formal após a criação da Secretaria da Mulher na Casa e tem assento no Colégio de Líderes. “Se aprovamos, em 2021, uma lei contra a violência política de gênero, é porque essa bancada está atuando”, celebrou Ana Cláudia.

Sobre a Procuradoria da Mulher da Câmara, Ana Cláudia registrou que ela existe desde 2009 e contribuiu para que existam hoje centenas de procuradorias em vários estados e municípios brasileiros. Esses órgãos, segundo ela, tentam dar encaminhamento às denúncias que envolvem violência política de gênero, especialmente quando a conduta acontece em casas legislativas.

Primeira lei estadual

Bruna Camilo, doutora em ciências sociais e pesquisadora de gênero, misoginia e radicalização, lembrou que todas as deputadas da ALMG sofreram violência política, mesmo as menos engajadas na causa. Ela destacou a primeira lei estadual sobre o tema, produzida em Minas, apesar das pressões sofridas de alguns deputados. Mas considerou que as leis não são suficientes em um estado patriarcal.

“Combater a violência política de gênero é responsabilidade de toda a sociedade”, afirmou, acrescentando que a discussão passa pelos partidos políticos. Na visão da pesquisadora, se essas estruturas atuam de forma ilegal ou imoral buscando burlar a legislação das cotas femininas, isso também pode ser considerado violência política. “Somos quase 52% da população e, na Câmara dos Deputados, apenas 18%. A luta feminina precisa avançar muito”, concluiu.

Helen Perrella, diretora da União Brasileira de Mulheres (UBM-MG), lamentou o fato de Minas Gerais ter o maior número de denúncias de violência política de gênero. Lamentou ainda não haver um canal de denúncias voltado para essa temática. E defendeu que a sociedade se debruce sobre a ocorrência dessa forma de violência fora dos processos eletivos, em outros espaços de poder.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

Gostou? Compartilhe...

Leia as materias relacionadas

magnifiercrossmenu