Nos 190 anos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a atual Legislatura se destaca por ter a maior presença feminina de todos os tempos, com 15 deputadas. Minas ocupa o segundo lugar no ranking de mulheres eleitas deputadas estaduais no País em 2022, de acordo com o TSE Mulheres.
A paridade entre homens e mulheres dentro da política, no entanto, está longe de ser alcançada. Somente no Código Eleitoral de 1932 as mulheres passaram a votar e ser votadas em âmbito nacional. Trinta anos depois, em 1963, Maria Pena e Marta Nair Monteiro inauguraram o cargo de deputada estadual na 5ª Legislatura da Assembleia.
Até hoje foram eleitas 47 mulheres, das quais cinco ocuparam a Mesa. Desde 2014, a presença feminina no Parlamento mineiro triplicou. De 5 parlamentares mulheres, representando 6,5% do total de cadeiras, chegou-se a 15, equivalente a 19%. Assim, a ALMG supera a média de 17% dos demais Legislativos Estaduais.
A importância das mulheres na política
Hoje, 15 parlamentares atuam na Assembleia. Uma delas é a deputada Leninha (PT) que carrega um simbolismo ao ser a primeira vice-presidenta do Parlamento e a primeira mulher negra a ter um cargo na Mesa da ALMG. Foi eleita pela primeira vez como deputada estadual em 2018.
Bióloga, sindicalista e professora em escolas públicas, Leninha nasceu em Montes Claros e foi candidata a prefeita da cidade em 2016. O trabalho na ALMG é uma continuidade da sua trajetória, com foco no povo pobre, negro, nas mulheres, na juventude e na comunidade LGBTQIA+. Para ela, é um misto de responsabilidade e representatividade ocupar o lugar onde pode dar voz às pessoas que, muitas vezes, não têm oportunidade.

Leninha, 1ª-vice-presidente, representa as mulheres na atual Mesa da Assembleia - Arquivo ALMG. Foto: Luiz Santana ALMG
“Eu vim de baixo, sem trajetória familiar, sem dinheiro. Muitas mulheres lutaram para que eu estivesse aqui. Fico muito feliz de ocupar este lugar. É muito importante pensar que outras pessoas como eu, negras de periferias, também podem ter espaço na política”, destacou Leninha.
A servidora da Assembleia e historiadora Valentina Somarriba destaca que a importância da diversidade na política está ligada à representatividade. “Quem não está representado não tem voz, então as mulheres não têm como reivindicar. Isso enfraquece a democracia, que pressupõe a representação de todos na sociedade”.
Além disso, para Valentina, é essencial que os grupos historicamente excluídos ocupem os locais decisórios para lutar pelas minorias. A estrutura institucional excludente, segundo ela, não é um fato isolado, permeia toda a sociedade.
“Carreiras como a política, a computação e a engenharia são vistas essencialmente como masculinas, enquanto a mulher deve se dedicar à esfera do lar ou exercer profissões que são socialmente aceitas como femininas, como enfermeira e professora. Então, a mulher recebe uma enxurrada de preconceito quando tenta romper isso”, aponta Valentina.

Procuradora adjunta da Procuradoria da Mulher da ALMG, ao lado da procuradora deputada Ione Pinheiro (União), a deputada Delegada Sheila (PL) está em sua segunda Legislatura na Casa. Ela foca nas pautas a favor do direito das mulheres, das crianças e dos adolescentes, além da luta contra a pedofilia, vertentes que traz de seus 25 anos na Polícia Civil. A deputada é bacharel em Direito e pós-graduada em Ciências Penais. Além disso, foi vereadora em Juiz de Fora (Zona da Mata).
Sheila considera que ter a maior bancada feminina da história da Assembleia traz representatividade para as mulheres. Mas, para ela, além do número, a qualidade das mulheres da Casa faz toda a diferença. “As deputadas da Casa têm espectros políticos divergentes, mas nos unimos em prol do direito e visibilidade das mulheres. Eu trabalho com ótimas deputadas, com ideias diferentes e somos muito unidas, principalmente na questão do combate à violência contra a mulher.”
Por que há poucas mulheres na política?
Nas últimas três eleições, a taxa de sucesso das mulheres eleitas na Assembleia aumentou de 1% para 3%. No entanto, dos 645 parlamentares que passaram na Casa desde a 5ª Legislatura, em 1963 (ano em que as primeiras mulheres foram eleitas na ALMG), apenas 7,28% são mulheres.
Nas eleições gerais no país de 2018, as mulheres representaram apenas 15% do total de parlamentares eleitos. Em 2022, esse número subiu para 18%.
Doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora sobre mulheres em parlamentos, a jornalista e servidora da Assembleia Diana de Azeredo destaca: o baixo número de mulheres em cargos eletivos não pode ser atribuído apenas ao preconceito de gênero do eleitorado.
A pesquisa "A cara da democracia: eleições 2020", realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, corrobora a informação. O documento mostra que mais da metade dos entrevistados não se preocupa com gênero na hora de votar.
Para Diana, a ausência da mulher na política se dá por:
- Divisão sexual do trabalho
- Sistema de votação em lista aberta
- Ausência de apoio partidário
- Menor divulgação midiática
- Subfinanciamento
Na opinião da pesquisadora, a divisão sexual do trabalho tem um impacto muito grande para o baixo número de mulheres eleitas. “As mulheres são responsabilizadas pelo ambiente doméstico e pela maternidade. Portanto, estão excluídas de redes associativas e têm menos contatos na esfera pública, que é uma etapa primordial para a participação política”.
O sistema de votação em lista aberta, adotado no Brasil, coloca no candidato a responsabilidade pela própria eleição e vitória eleitoral, de acordo com Diana. “Os políticos precisam arrecadar recursos de forma individual para financiar a campanha. Geralmente mulheres recebem menos do que homens e têm menor acesso às redes, portanto elas não conseguem fazer uma campanha tão competitiva quanto eles”.
A a ausência de apoio partidário é uma das causa listada pela servidora. Segundo ela, na maioria das vezes, as mulheres não são consideradas pelas lideranças partidárias como candidatas viáveis e competitivas.
Em 2018, observa Diana, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que os partidos devem repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para as candidaturas femininas. No início do mesmo ano, o número de mulheres eleitas cresceu 52,6% em relação a 2014 no Brasil, segundo o TSE.
Entretanto, as candidaturas femininas ficaram com um quarto dos recursos destinados à campanha nas últimas eleições municipais no país, de acordo com a Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De dentro da política, a violência
O ambiente político é, segundo a pesquisadora Diana, agressivo para mulheres, que são interrompidas, silenciadas e violadas, o que as afasta do parlamento. “Essas mulheres estão entrando em um espaço majoritariamente branco e masculino. Assim, enfrentam conflitos e restrições, porque esse lugar não foi pensado para elas. A mudança para um ambiente plural é lenta e permeada de dificuldades”, afirma.
A deputada Leninha, por exemplo, conta que enfrentou diversos obstáculos desde o início da carreira política. Ela sofreu diversas ameaças, incluindo de morte, e recebeu escolta policial.
Em 2023, para contrapor a violência, a deputada foi uma das autoras do projeto que institui a política de enfrentamento à violência política contra a mulher no Estado, transformado na Lei 24.466. Porém, para a parlamentar, não basta só criar uma lei, é preciso criar política pública para dialogar com ela.
“A nossa presença incomoda aqueles que acham que não temos capacidade. Há uma cultura machista. Os homens precisam ser educados a nos respeitar”, pontua Leninha.
Violência política
A violência política é a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.
Fonte: Governo Federal
A deputada Delegada Sheila ressalta diversos avanços desde sua entrada na Assembleia como a criação oficial da Bancada Feminina e da Procuradoria da Mulher. “Essas instâncias ajudam a melhorar o protagonismo, o tempo e o lugar de fala da mulher”.
Ela acredita que as pessoas atacam de maneiras diferentes o homem e a mulher. “Quando atacam as mulheres, focam na honra, na vida pessoal, nos filhos, na reputação, na aparência”, diz.
Apesar da violência, o que a mantém na política é o propósito de vida. “A política é algo muito complexo. Para a mulher, não basta fazer só trabalho político, ela busca atingir o propósito da vida dela”.
Mulheres negras ainda têm pouca representação
Desde muito cedo, Leninha percebeu as desigualdades à sua volta. O mundo, segundo ela, era mais difícil para as mulheres negras e para os mais pobres. Essa posição que a sociedade a colocou desde muito cedo, a fez chegar e pensar “isso não está certo”.
A deputa Macaé Evaristo (ao centro) está licenciada porque virou ministra dos Direitos Humanos - Arquivo ALMG Arquivo ALMG - Foto: Alexandre Netto
“Nós que lutamos por direitos, falamos do povo negro, de periferia, da comunidade LGBTQIAP+, do povo sem terra, somos muito atacadas. Porque são reivindicações de populações socialmente excluídas e isso incomoda aqueles que sempre se perpetuaram no poder com privilégios”, reflete a deputada Leninha.
A pesquisadora Diana de Azeredo argumenta que o Brasil é alicerçado numa cultura com marcas da escravidão. Por isso não se deve deixar de olhar também para o aspecto racial. As mulheres negras têm um histórico de participação nos movimentos sociais no Brasil. Lutaram contra a escravidão, pelo direito ao voto e contra a ditadura. "Por que essas mulheres têm uma participação social tão ativa e uma representação política tão pequena?”, questiona a pesquisadora.
As mulheres são 18% do total de deputados estaduais e distritais eleitos no país em 2022, pouco mais da metade do mínimo de 30% exigido entre as candidaturas. Desse total, apenas 7% são mulheres negras. Na Assembleia, das 15 deputadas eleitas em 2022, quatro são negras.
Com Informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais