Especialistas e mães com filhos com diabetes tipo 1 demandaram o fortalecimento de políticas públicas para fazer frente à doença, nesta quinta-feira (8/5/25), em audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Elas relataram dificuldades para ter acesso a insumos básicos como insulinas, tiras, lancetas e glicosímetros.
O diabetes tipo 1 exige acompanhamento médico contínuo, acesso regular a insulina e a insumos adequados para o controle glicêmico. Surge geralmente na infância ou na adolescência, em decorrência de fatores genéticos ou autoimunes, e não se relaciona ao estilo de vida ou à alimentação.
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Segundo a doutora em Medicina e coordenadora docente da Liga de Diabetes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Natália Pena, há 499 mil pessoas com diabetes tipo 1 no Brasil. E a cada duas delas, uma morre sem ter sido diagnosticada, conforme a edição de 2025 do Atlas de Diabetes, publicado pela Federação Internacional de Diabetes (IDF).
Nesse sentido, Natália Pena defendeu mais políticas públicas para os pacientes que garantam diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar e educação em diabetes.
Enquanto a comunidade envolvida sonha com isso, a realidade é outra. Membro do Departamento de Farmácia da Sociedade Brasileira de Diabetes e do grupo de trabalho técnico de diabetes do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais, Mônica Lenzi, disse que insulinas, tiras e lancetas chegam com atraso de semanas no Estado e pacientes peregrinam por unidades de saúde a procura dos insumos.
“Diabetes não é tudo igual”
Para a mãe pâncreas Daniela Resende, a principal bandeira de quem milita pela causa é “diabetes não é tudo igual”. Mãe pâncreas é o nome dado a mulheres que têm um filho com diabetes tipo 1 e se dedicam aos cuidados com eles.
Na opinião dela, o diabetes tipo 1 é tratado como uma porcentagem menor do tipo 2, mais usual na população. Dessa forma, a doença não é vista com suas singularidades.
“Há diferenças na causa e não tem cura. O tratamento pesado é para o resto da vida e visa reproduzir o funcionamento do pâncreas, que deixa de produzir insulina. E a insulina é fundamental, mas também traz riscos.”
Daniela Resende - Mãe pâncreas
A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas. Ela ajuda a regular a quantidade de glicose no sangue.
A endocrinologista e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes - Regional Minas Gerais, Patrícia Fulgêncio, explicou que a glicose alta traz complicações crônicas, podendo evoluir para cegueira e necessidade de hemodiálise, por exemplo.
Já a falta de glicose no sistema nervoso central pode evoluir para uma hipoglicemia e para a perda de consciência, sem sintomas de alerta antes.
De acordo com ela, por isso é essencial monitorar a glicemia. A recomendação é aferir de oito a dez vezes ao dia, antes e depois das principais refeições e uma vez de madrugada. Mas, como disse, a quantidade de fitas fornecidas pelo Sistema Único de saúde é insuficiente.
Ainda segundo a endocrinologista, o padrão ouro no monitoramento e tratamento do diabetes tipo 1 é o sistema de infusão de insulina acoplado ao sensor de glicose contínuo.
Esse sistema mede continuamente os níveis de glicose no sangue, transmitindo esses dados para a bomba de insulina, que então ajusta a infusão de insulina. “Então evita a hipoglicemia grave à noite”, explicou.
Valéria Martins Campelo, servidora da ALMG, perdeu sua filha em decorrência do diabetes tipo 1 há dois anos. A filha não chegou a usar esse sistema de infusão de insulina, como relatou.
“Sofri para conseguir insumos. E minha filha morreu dormindo. O medo de toda mãe é o que eu vivi.”
Valéria Campelo - Mãe pâncreas

Valéria Campelo conta que perdeu a filha paciente de diabetes tipo 1. Foto: Henrique Chendes ALMG
Investir em cuidados sai mais barato
Também mãe pâncreas Luciana Alves Mourão, cofundadora do Instituto Tipo 1, ponderou que, para o poder público, investir em cuidados sai mais barato do que arcar com as consequências depois.
De acordo com ela, um sensor de monitoramento contínuo de glicose sai a R$ 660 por mês e a insulina análoga a R$ 600. Como afirmou, os custos anuais não chegam a R$ 20 mil. Já o sistema de infusão de insulina acoplado ao sensor de glicose contínuo sai a R$ 19 mil (inicial) com mais R$ 4.300 (mês), gerando um custo de cerca de R$ 50 mil por ano.
Por outro lado, ela disse que as complicações do diabetes tipo 1 como doença renal crônica e amputações podem gerar gastos maiores. Como relatou, o custo anual de hemodiálises é de cerca de R$ 40 mil, por exemplo.
Diagnóstico representa ruptura brusca
Psicóloga do Ambulatório de Diabetes Tipo 1 da Santa Casa de Belo Horizonte, Márcia Ramos, abordou o impacto do diagnóstico do diabetes tipo 1 na vida do paciente e de suas famílias.
“É uma ruptura brusca da vida como era antes. O diagnóstico normalmente ocorre em um momento crítico, de internação, de uma ameaça real. A glicemia alta traz complicações e a baixa pode ser fatal. Os pais passam a viver em um estado de atenção permanente.”
Márcia Salomão - Psicóloga do Ambulatório de Diabetes Tipo 1 da Santa Casa
Como relatou, na maior parte das vezes, a mãe assume inteiramente os cuidados. Para isso, em algumas situações, larga o trabalho e passa noites sem dormir para medir a glicose do filho. A sobrecarga começa a gerar conflitos no casamento.
“A vida social da família fica abalada. Tudo exige planejamento, contagem de carboidratos, carregar insumos. A espontaneidade desaparece. Alguns amigos se afastam”, ressaltou, entre outros desdobramentos.
Bons exemplos

Luana Simões relata experiência em Passa Quatro. Foto: Henrique Chendes ALMG
Luana Simões, também mãe pâncreas, mora em Passa Quatro (Sul de Minas), onde o poder público local tem garantido o sensor de monitoramento contínuo de glicose para crianças e adolescentes.
A prefeitura da cidade também disponibilizou uma cuidadora para acompanhar a filha dela na escola e aplicar a insulina quando necessário. Como contou, a cidade conta com médico endocrinologista e abordagem multidisciplinar.
“Com esse acesso, vou conseguir entregar minha filha para a vida adulta sem complicações.”
Luana Simões - Mãe pâncreas
Coordenadora do Projeto Diabetes de Poços de Caldas, também no Sul de Minas, Bianca Prado, contou que a cidade também garante o sensor para crianças até 12 anos.
Representantes da SES explicam ações
A diretora de Políticas de Atenção Primária em Saúde da Subsecretaria de Redes de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Christina Nunes, enfatizou que o Estado desenvolve projeto em 851 cidades para acolher usuários no âmbito da atenção primária.
Outras iniciativas dizem respeito à atenção laboratorial com o serviço em 28 centros estaduais voltados à hipertensão e diabetes, bem como ao suporte da atenção hospitalar, quando necessário.
Já segundo a diretora de Planejamento e Aquisição de Medicamentos da Subsecretaria de Acesso a Serviços de Saúde da SES, Flávia Rabelo, o governo estadual faz licitação para registrar os preços dos insumos e disponibiliza o documento para as cidades adquirirem os materiais. Além disso, repassa o valor devido pelo Estado aos municípios.
Deputados apoiam pacientes e suas famílias
Autor do requerimento para a reunião, o deputado Professor Wendel Mesquita (Solidariedade), enfatizou que os pacientes de diabetes tipo 1 e suas famílias enfrentam um caminho difícil para conseguir tratamento adequado.
“É uma doença muitas vezes negligenciada pela saúde pública. Há dificuldade de acesso à medicação, novas tecnologias e protocolos atualizados.”

Como desdobramento da reunião, ele disse que vai solicitar providências ao Governo do Estado para disponibilizar o sensor de monitoramento contínuo de glicose aos pacientes.
Segundo o deputado Betão (PT), que tem diabetes tipo 2, ele apresentou um projeto de lei para autorizar o Executivo a possibilitar o acesso de pacientes ao glicosímetro.
Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais