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O psicólogo Augusto Vitale Marino, que presidiu o Instituto de Regulamentação e Controle de Cannabis no Uruguai, foi o primeiro convidado ouvido em audiência pública sobre o uso medicinal da planta.
Ele contou a experiência uruguaia e falou em especial sobre a importância de se construir uma política que garanta não apenas a regulamentação do uso, mas também a acessibilidade aos produtos gerados pela cannabis.
A reunião da manhã desta quinta-feira (26/9/24) é realizada pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Além da importância da acessibilidade, Augusto e outros convidados destacaram que é um equívoco separar os princípios ativos da planta, considerando alguns (em especial o CBD) como benéfico e outros (com destaque para o THC) como maléficos.
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A discussão se dá, para Augusto Marino, em um contexto de mudança internacional de paradigma, baseado na superação do modelo proibicionista em relação à cannabis.
Apesar dessa superação estar em discussão e implementação em diversos países, há ainda desafios.
Em especial, ele citou que a cannabis continua, na convenção internacional sobre drogas, classificada como susbstância com efeitos maléficos equiparáveis aos da heroína. É, para ele, um erro que não leva em consideração as evidências científicas.
Ao compartilhar a experiência uruguaia, ele destacou que o país foi um dos pioneiros em regulamentar a planta em 2013 sem limitar seus usos, permitindo inclusive o uso recreativo.
Por isso, não havia parâmetros claros e até as evidências científicas em favor do uso medicinal estavam se consolidando. Dessa forma, a lei que legalizou a cannabis passou por diferentes regulamentações ao longo dos anos e foi reformada em uma nova legislação em 2019.
Ele explicou que as reformas buscaram, em especial, melhorar a acessibilidade de pessoas que precisavam da cannabis para uso medicinal.
Segundo o convidado, inicialmente a regulamentação usava o conceito de “especificidade farmacêutica”, que trata os princípios ativos da cannabis separadamente. Porém, como ele explicou, pesquisas mais recentes indicam que os benefícios muitas vezes não se baseiam em princípios isolados.
Por isso, foi preciso, ainda segundo Augusto Marino, que a nova lei passasse a alcançar os chamados “produtos de espectro completo”.
Isso beneficia, em especial, pessoas que buscam tratamentos de dores crônicas. Essas estavam, de acordo com o convidado, buscando a cannabis no mercado recreativo pela dificuldade de inclusão de medicamentos que não isolavam os princípios ativos do CBD do THC.
Associações de pacientes facilitam acessibilidade
Também foi construída a ideia de associações de pacientes, como maneira de também melhorar o acesso com, por exemplo, barateamento dos produtos e construção de redes de apoio para os tratamentos.
Augusto Marino destacou que tais associações ainda estão em processo de formalização no Uruguai e, nesse ponto, o Brasil já está à frente. Ele destacou, então, a importância da troca de experiências entre os países para aprendizado mútuo.
Sobre essas associações, a agrônoma Adriana Gomes de Moraes, presidente da Associação Tijucanna, ressaltou que elas nascem exatamente na busca de melhorar o acesso aos produtos medicinais feitos a partir da cannabis.
Elas ajudam as pessoas que precisam do tratamento a encontrar os caminhos para obter os produtos, atuam em conjunto com profissionais da saúde e viabilizam terapias necessárias para complementar os tratamentos.
Mas, para Adriana de Moraes, tais associações contribuem também no âmbito do desenvolvimento científico.
Ela destacou a parceria com universidades e institutos de pesquisa, de forma a facilitar, por exemplo, ensaios clínicos.
Estes ajudam a entender os efeitos da cannabis em cada enfermidade, bem como a compreender dosagens e avaliar o impacto de outras terapias, por exemplo.
As parcerias das associações com as universidades são bem vindas em especial no contexto em que desenvolvimento científico sobre a cannabis também são dificuldades pela proibição da planta.
Como explicou Jacqueline Aparecida Takahashi, pró-reitora adjunta de pesquisa da UFMG, atualmente há obstáculos para levar a planta ao laboratório, o que reduz o ritmo das pesquisas.
Além da lei
Ao compartilhar a experiência uruguaia, Augusto Marino destacou, ainda, que as mudanças legais são apenas o primeiro passo.
É preciso também ajustar os instrumentos de política pública, em especial garantir que os servidores públicos entendam o espírito das novas normas para efetivamente aplicá-las. O desafio é, em especial, envolver os agentes da política criminal nas mudanças.
Para além desses agentes, há uma rede de atores públicos que precisam atuar em conjunto. No caso uruguaio, participam da regulamentação e da implementação da política as instituições de saúde, a Secretaria de Drogas, o Ministério da Agricultura e o Ministério de Desenvolvimento Social.
Histórico
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento que deu origem à audiência, relatou o histórico das discussões sobre o assunto no parlamento mineiro. Ela destacou a realização, em abril deste ano, do debate público “Cannabis e ciência: evidências sobre o uso terapêutico e seus meios de acesso”.
A partir do evento, foi criado um grupo de trabalho, formado por parlamentares, pesquisadores e representantes da sociedade civil, para continuar os diálogos e, entre outras propostas, construir um projeto de lei abrangente que trate da questão. A audiência é uma das ações que foi proposta no grupo.
Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais