O adoecimento mental é a nova epidemia do mundo do trabalho. A afirmação, repetida várias vezes em audiência nesta segunda-feira (28/4/25), se baseia em números como os quase meio milhão de trabalhadores formais afastados por esse motivo no Brasil em 2024. O aumento é de 68% em relação a 2023. Em Minas foram quase 40 mil no período.
Diante desse cenário, representações sindicais criticaram o adiamento das sanções previstas na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Esse regulamento explicita a obrigatoriedade de gestão, pelas empresas, dos chamados fatores de risco psicossociais no trabalho (FRPT).
A audiência foi promovida pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na data em que se celebra o Dia Mundial de Saúde e Segurança do Trabalhador. Um minuto de silêncio foi observado pelas vítimas de acidentes de trabalho em todo o mundo.
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A NR-1 foi editada em 2024 e deveria entrar em vigor plenamente no próximo mês de maio. Porém, as sanções passarão a ser aplicadas apenas em maio de 2026. A representante da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Erika Diniz, argumentou que a entidade vinha recebendo muitas dúvidas dos associados, o que levou à solicitação de adiamento.
“Sabiamente, o Ministério adiou as sanções”, afirmou. Assim, segundo ela, este próximo ano será para fiscalizações de orientação. Erika também ponderou que há doenças, inclusive psicossociais, que vão além do ambiente de trabalho, o que gera análises subjetivas de nexo causal. Ela defendeu uma maior discussão sobre esse ponto.
Vários participantes destacaram, porém, que o tema das doenças psicossociais associadas ao trabalho não é novidade, e sua gestão pelas empresas já estava prevista em normas anteriores, ainda que de forma genérica.
“Há anos lidamos como assédios moral e sexual, por exemplo. Mas há uma alegada subjetividade que dificulta a abordagem, além do argumento de que o trabalhador ficará exposto”, salientou a auditora fiscal do trabalho Odete Reis, coordenadora regional do Combate aos Riscos Psicossociais do MTE.
“O assédio moral é uma técnica de gestão disseminada no Estado. Não é característica de um gestor. A sociedade adoecida é fruto de uma relação de trabalho adoecida, e não o contrário”, reforçou Emerson Leite, coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais.
Marta de Freitas, coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador e da Trabalhadora de Minas Gerais, afirmou que a Fiemg “jogou no lixo” sua história de mais de 70 anos relacionada à saúde e à segurança no trabalho. “O primeiro material sobre isso que eu conheci foi da Fiemg”, justificou.
Impacto positivo
Já a desembargadora Maristela Malheiros, do Tribunal Regional do Trabalho em Minas Gerais, avaliou como positivo o acréscimo na NR-1. Para ela, a cobrança explícita da gestão dos riscos psicossociais favorece o empregador ao evitar litígios e indenizações. Também resguarda os fiscais do trabalho e o próprio Judiciário.
Ela citou exemplos absurdos de assédio julgados no TRT, como o de uma coordenadora de teleatendimento que usava uma vara para “corrigir” os atendentes e cobrar a produtividade. Maristela afirmou, ainda, que há um movimento para universalização da NR-1, que passaria a abranger também o serviço público e as microempresas.
Mudanças nas relações de trabalho impactam dados
Estudiosa dos fatores de risco psicossociais, a auditora Odete Reis argumenta que eles existem desde que o trabalho existe, mas estão em alta devido à reestruturação produtiva, à gestão por metas, à cobrança por produtividades e à precarização das condições de trabalho, entre outros fatores. As consequências, segundo ela, podem também ser físicas e sociais.
Terceirização, “pejotização” e outras mudanças também foram citadas. O autor do requerimento para a reunião, deputado Betão (PT), lembrou também a chamada escala 6x1 (seis dias de trabalho e um de folga) que seria, segundo ele, um fator de adoecimento dos trabalhadores.
Marta de Freitas, que trouxe os números de afastamentos por doenças mentais na Previdência, complementou que os suicídios de trabalhadores, antes restritos a bancários e médicos, estão disseminados. Em 2023, segundo ela, o número de policiais militares que se mataram foi maior do que o dos que morreram em combate.
Valéria Gonçalves, presidente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB/MG), afirmou que as centrais sindicais irão às ruas no próximo 1º de Maio, Dia Mundial do Trabalho, para pedir a redução da jornada sem redução salarial e a igualdade de salário para trabalhos iguais. As mesmas centrais se encontrarão com o presidente Lula nesta terça (29) para fazer as mesmas reivindicações.
O deputado Hely Tarqüínio (PV) também defendeu a humanização das relações de trabalho e a redução da “distância oceânica” entre trabalhadores e patrões. Carlos Calazans, superintendente regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, sugeriu à Fiemg a inclusão de profissionais voltados para a saúde mental, como psicólogosm nas equipes de segurança do trabalho.
Acidentes de trabalho
Os acidentes de trabalho foram outro ponto debatido na audiência pública. Segundo Carlos Calazans, foram 57.825 casos em Minas, em 2024, sendo 243 mortes. No Brasil, foram registrados 555.654 acidentes, sendo 2.045 fatais. Os dados, segundo ele, são apenas os de registro forma, com investigação e perícia. “Não conseguiremos mudar essa realidade sem um movimento de toda a sociedade”, afirmou.
Denúncias
A previsão é de que a fiscalização da NR-1 se dê por meio de denúncias enviadas ao MTE. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MG), Jairo Nogueira Filho, destaca, porém, que os trabalhadores não se sentem seguros para denunciar. “Os representantes sindicais foram impedidos de entrar nos locais de trabalho. A reforma trabalhista de 2017 conseguiu criminalizar esses representantes”, lamentou.
Com Informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais