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Atingidos por obras da Vale em Itabira cobram perícia técnica

Questão está na Justiça, e cobrança visa assegurar reparação integral de danos causados por mineração e agora também por programa de descomissionamento de barragem.
Impactos de mineração foram analisados, em meio a comitê e decreto anunciados pela prefeitura, para acompanhamento de obras. Foto: Guilherme Bergamini ALMG
sexta-feira, 30 maio, 2025

A continuidade da assessoria técnica independente aos atingidos (ATI) e a designação de perícia técnica pela Justiça para mapeamento de danos foram reivindicadas nesta sexta-feira (30/5/25) por moradores presentes a audiência pública que discutiu os impactos socioambientais das obras de descomissionamento e descaracterização do Sistema Pontal, da mineradora Vale em Itabira. (Central).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião

O Sistema Pontal é um conjunto de barragens e diques da empresa, sendo objeto de programa para descontinuidade de barragens a montante, aquelas construídas sobre o próprio rejeito, depositado em camadas sucessivas, como as que desabaram em Mariana (Central) e Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). 

"O descomissionamento está na lei, mas precisa ser feito com cuidado e com a garantia de perícia técnica", cobrou Gieser Rosa, da Comissão dos Atingidos nos Bairros Bela Vista e Nova Vista, em fala à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Assim como ela, os demais atingidos presentes também denunciaram que não estão sendo ouvidos no processo de implantação do programa e cobraram cumprimento de decisão judicial para a reparação de danos causados pela mineração, incluindo a remoção de famílias que estariam em casas ameaçadas de desabamento.

"A comunidade está acordando, e aprendendo que temos direitos e vamos lutar por eles. Os que estão empreendendo afirmam que nunca causam danos. Mas quando a gente assusta, o rejeito e a própria empresa estão quase dentro da nossa casa.”

Gieser Rosa - Integrante da Comissão dos Atingidos nos Bairros Bela Vista e Nova Vista

Márcia Barbosa endossou o despertar dos atingidos para a cobrança de direitos à reparação. “Fomos acostumados em Itabira a idolatrar a Vale. Só fomos acordar após as tragédias de Mariana e Brumadinho", disse ela, integrante da Comissão dos Atingidos do Sistema Pontal.

Márcia Barbosa abordou sobretudo marcas deixadas pela mineração na saúde mental. Ela contou se lembrar até hoje do dia em que a sirene de alerta no sistema tocou em 2019, segundo a Vale por engano.

“Com esse engano minha filha desenvolveu síndrome do pânico, e eu tenho crise de ansiedade e já não dormimos direito", frisou.

Maria Inês Duarte, da mesma comissão, disse que sua luta por direitos vem desde 2021, quando houve rumores na comunidade de que 368 casas dos bairros Nova Vista e Bela Vista seriam desocupadas por riscos de desabamento causados pelas obras.

"Justa a remoção por causa dos riscos da barragem, se feita com esclarecimentos, mas até hoje não há respostas", também criticou ela. Dessas famílias, somente 17 teriam sido deslocadas até agora,

Leonardo Reis, do Comitê do Popular dos Atingidos de Itabira, criado após o rompimento de barragem em Brumadinho, também abordou a falta de clareza sobre os rumos do programa de descomissionamento da Vale. "Vivemos no escuro", resumiu.

Ele ainda trouxe à discussão danos às nascentes causados pelo Sistema Pontal e disse que a mineradora tem outorgas para uso de 85% da água em Itabira, enquanto a população conta com 15%, sendo obrigada a racionamentos sistemáticos.

Outra atingida, Maria Aparecida de Oliveira acrescentou que mora perto das obras do programa de descomissioamento.

“Elas trazem poeira e barulho, perdas à saúde, doenças respiratórias, rinite, sinusite, doença de pele, vivemos isso o tempo todo com a mineração", frisou.

Perícia foi pedida à Justiça, diz MP

Representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Jonas Leal explicou que diante da falta de diálogo da Vale com os atingidos, o MP ingressou com ação civil pública em 2021, pedindo a reparação integral de todos os danos causados aos atingidos pelo Sistema Pontal.

Segundo ele, a Justiça local reconheceu a existência de danos socioambientais, morais e patrimoniais, inclusive futuros, e também à saúde, estes reconhecidos no Judiciário pela primeira vez, conforme frisou. Foi então determinada à Vale a reparação integral, com a contratação de assessoria técnica independente, de escolha dos atingidos e e com ônus para a mineradora, conforme determina a legislação.

No entanto, a Vale recorreu e o processo tramita em 2ª instância no Tribunal de Justiça. Diante da urgência de várias medidas, Jonas Leal explicou que o MP vem atuando com petições para cumprimentos parciais da sentença.

Como exemplo, citou que neste mês de maio uma das petições do MP resultou em determinação à Vale para a remoção das famílias de moradias com riscos de desabamento pelas obras de descomissionamento. Seriam cerca de 400, mas caberá agora à Defensoria Pública atestar os riscos.

Além disso, o MP ainda aguarda manifestação da Justiça sobre solicitação feita em fevereiro deste ano, para a contratação de perícia técnica, independente, nomeada pela Justiça e paga pela Vale, segundo ele para evitar uma futura guerra de laudos influindo no mapa de danos apurados. 

Já Péricles Mattar, coordernador-geral da ATI em Itabira, da Fundação Israel Pinheiro, disse que os trabalhos começaram em 2022, mas estariam na iminência de interrupção na próxima semana, pela falta de recursos, mesmo sendo esse assessoramento aos atingidos garantido por lei e sentença judicial.

Feam diz que descomissionamento começará em 2027

Por sua vez, a representante da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Lirriet Libório Oliveira, afirmou que o órgão está acompanhando de forma técnica e rigorosa a situação no Sistema Pontal e o programa para descomissionamento e descaraterização.

Segundo explicou ela, o início de fato do descomissionamento deverá ocorrer somente no período seco de 2027, e mediante licenciamento ambiental específico.  O que há no momento são obras emergenciais realizadas pela mineradora, para garantir a segurança das comunidades, e cujos projetos são analisados pela Feam na medida de sua apresentação pela empresa.

Entre essas obras, ela citou o barramento feito em 2020 e 2021, para direcionar excesso de água, e o reforço de contenção de barragem, iniciado em julho de 2024. 

Prefeitura anuncia comitê para diálogo

A secretária de Meio Ambiente e Proteção Animal de Itabira, Elaine Mendes, anunciou que será baixado decreto para que a Vale informe com antecedência todos os passos envolvidos em suas obras.

Ela ainda leu manifesto do prefeito Marco Antônio Lage à comissão, no qual o gestor lembra que sua cidade é berço da Vale há mais de 80 anos, mas frisa que a prefeitura atua pela diversificação de seu modelo ecônomico, porém ainda distante de ser alcançada.

Segundo o prefeito de Itabira, a supressão de direitos dos atingidos não pode ser aceita, sendo preciso que a Vale atue com transparência e responsabilidade para com as comunidades.

O gestor informou ter determinado a criação de um comitê com todos os envolvidos na questão, para um debate franco sobre a situação das comunidades, o que segundo o prefeito pode fortalecer a luta dos atingidos por direitos. 

Já a Câmara Municipal está formalizando a contratação de uma auditoria para reavaliar a lei orgânica do município, visando corrigir possíveis normas que beneficiam a exploração predatória da mineração, conforme registrou seu presidente, vereador Carlos Henrique Silva Filho.

Comissão cobrará providências

A deputada Bella Gonçalves (Psol), que pediu a audiência juntamente com a deputada Beatriz Cerqueira (PT), anunciou uma série de requerimentos de providências sobre os relatos.

"A Vale fez seu nome em Itabira e agora precisa se responsabilizar pelos danos causados, inclusive na saúde, diante de casos de depressão e adoecimento grave", apontou ela, defendendo que processos de licenciamento incluam também condicionantes nesse sentido.

Beatriz Cerqueira defendeu a mobilização dos atingidos para que, juntamente com outras esferas, achem os melhores caminhos para a defesa dos territórios.

"A Vale não pode fazer o que quer e como quer, mantendo as comunidades sem informações e sem diálogo. É como se os atingidos é que tivessem que pedir desculpas", criticou.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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