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Acolhimento às mães reforça proteção contra crianças e adolescentes vítimas de abuso

Falta de políticas públicas para esse segmento foi destacada em audiência, assim como a necessidade de orientação aos menores, para que reconheçam o abuso
Ativistas da causa da violência doméstica participaram da audiência, assim como representantes de instituições públicas e da sociedade civil. Foto: Daniel Protzner/ALMG
terça-feira, 7 maio, 2024

Cada vez que uma criança ou adolescente é abusado, a mãe é violentada. E, assim como a vítima, ela também é culpabilizada e silenciada. E é ela quem terá que dar apoio ao filho ou filha para lidar com o trauma e buscar justiça, o que em geral leva anos.

Esse ciclo de violência foi destacado por autoridades e representantes da sociedade civil que estiveram na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (7/5/24), para audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.

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Convocada pela deputada Alê Portela (PL), a reunião debateu as políticas públicas para mães de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Mas a constatação é de que essas políticas não existem de forma estruturada. Iniciativas dos órgãos públicos buscam suprir essa carência.

“Queremos entender o que cada um está fazendo e ouvir as demandas para construir políticas públicas”, afirmou a deputada.

Ela anunciou o protocolo, nesta terça (7) do Projeto de Lei 2.327/24, que dispõe sobre as diretrizes para assistência e proteção jurídica, psicológica e socioeconômica às mães de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Vários participantes enfatizaram que a maioria dos casos de violência ocorre no ambiente familiar, por pessoas que são da confiança da criança e da mãe.

São 72% dos casos, segundo Keyla Cristina Aredes, diretora do Programa Protegidos. Ainda segundo ela, 20% a 35% dos agressores sexuais foram abusados sexualmente quando crianças e 50% foram vítimas de maus-tratos físicos e abuso psicológico.

“A infância precisa ser respeitada, para quebrarmos o ciclo de violência”, defendeu Keyla. Por isso, segundo ela, o foco do Programa Protegidos é a prevenção, com informações repassadas de maneira lúdica para que as crianças tomem consciência, saibam reconhecer o abuso e possam se defender.

A atenção da família às pistas que a violência sexual deixa foi outro ponto destacado por vários participantes.

O tema é, inclusive, tratado em campanha do Executivo, que orienta a ligação para o Disque 100. Entre os sintomas, estão queda brusca no desempenho escolar, apatia, ansiedade e lesões.

“A legislação diz que a proteção deve ser ofertada onde o fato acontece, ou seja, no município, para a preservação de laços”, citou a presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Eliane Quaresma, que também representou a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese).

Segundo Eliana, o Executivo orienta os municípios e oferta alguns serviços e ações. Um deles será a capacitação dos 899 Conselhos Tutelares do Estado, presentes em todos os municípios. A ação será realizada pela Fundação João Pinheiro.

Órgãos públicos e terceiro setor apresentam ações

No ano passado, a Delegacia Especial da Criança e do Adolescente fez 1.100 atendimentos de menores abusados.

Os dados não incluem flagrantes e ocorrências registradas em outros locais. “O número de denúncias vem crescendo também pelo trabalho repressivo”, considerou a delegada Carolina Bechelany, chefe do Departamento de Família da Polícia Civil.

Renata Ribeiro, chefe da Divisão Especializada em Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente da corporação, detalhou que a vítima é atendida por um profissional, enquanto a mãe fica com o delegado e o escrivão.

“Quando a mãe está longe da criança, desaba e chora. A sobrecarga é da mulher, e ela se culpa pela maldade feita ao filho ou filha”, pontuou. De acordo com as delegadas, o Espaço Reviver, que hoje acolhe a criança após o atendimento, será estendido às mães, por meio de parceria com universidade.

Dificuldades também foram pontuadas. Mellina Clemente, titular da Delegacia Especializada de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), salientou que mesmo a cidade sendo a segunda em número de violência contra mulheres e crianças, só conseguiu ter um cartório específico no ano passado.

“Não conseguimos apurar todos os casos”, afirmou. Ela defendeu o trabalho em rede para atendimento às mães.

Na Polícia Militar, o novo plano estratégico coloca a prevenção à violência doméstica e a grupos vulneráveis como prioridade, conforme anunciou a major Jane Calixto, chefe da Seção de Direitos Humanos da Diretoria de Operações da PMMG.

“Isso amplia a prioridade de um setor para toda a instituição. E vem com a capacitação de todo o efetivo para o acolhimento humanizado”, salientou.

No Ministério Público, o atendimento é feito na Casa Lílian, criada no final do ano passado.

“A pretensão é integralizar o atendimento, pensando nas pessoas que são atingidas indiretamente pelo crime, como as mães. Queremos tornar o processo não tão pesado quanto o crime”, definiu a promotora Ana Tereza Giacomini, coordenadora da Casa Lílian.

Para a promotora, há um “limbo” em termos de políticas públicas para os atingidos indiretamente. Uma das demandas, segundo ela, é a saúde mental da mãe, para torná-la um apoio eficaz para a criança.

“Há mulheres que só reagem quando a violência chega nas filhas”, completou a promotora Patrícia Habkouk, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

Livia Cordeiro, do Centro de Assistência Social Mulheres Encorajando Mulheres, de Betim (RMBH), pediu “posicionamento” da sociedade. Há dez anos a instituição faz acolhimento com foco familiar. “O agressor precisa saber que há um grupo organizado que não vai recuar”, afirmou.

Por fim, o Conselho Tutelar de Belo Horizonte afirmou que tem se empenhado em fazer palestras de capacitação e prevenção em espaços comunitários para profissionais que lidam com a violência contra crianças e adolescentes. Segundo o conselheiro Carlos Alberto dos Santos Junior, o órgão pode acionar serviços públicos para atender essas mães, como, por exemplo, acompanhamento psicológico.

Parlamentares reforçam apoio à causa

A audiência contou com a presença de parlamentares que se propuseram a somar forças em torno da causa da violência familiar.

Ana Paula Siqueira (PV), presidente da comissão, reiterou que o lar, que deveria ser espaço seguro para meninas, meninos e mães, não é.

“A responsabilidade em cuidar de crianças e adolescentes é da família, mas também da sociedade e do Estado. Se presenciamos algo, não podemos fingir que não vimos”, afirmou.

“É importante inserir essa causa no orçamento. Não temos políticas públicas sem recursos”, destacou Andréia de Jesus (PT). Ela salientou que a Sedese abarca todas as políticas voltadas para mulheres, crianças e idosos, mas é a secretaria com menor orçamento.

A deputada propôs, ainda, a racialização do debate uma vez que, segunda ela, mães e crianças negras vivem situação pior.

Chiara Biondini (PP) enfatizou que a mãe da vítima tem que se sentir segura de que a denúncia da violência não trará algo pior para ela e para os filhos. “Nossa luta é pela família. A mãe também é vítima”, pontuou.

O papel das professoras na escuta das crianças foi destacado por Lud Falcão (Pode). Ela contou parte da própria história. “Eu tive um pai alcoólatra, mas tive uma mãe professora que enxugava minhas lágrimas e me animava”, afirmou. Para ela, é “vergonhoso” que um abusador possa responder o processo em liberdade.

O deputado Caporezzo (PL) também criticou a legislação que, segundo ele, exige o flagrante para que o abusador seja preso. Ele defendeu penas mais duras, como prisão perpétua ou morte. “Não é com diálogo que vamos resolver a questão com o agressor”, afirmou, revoltado.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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