Arigatô, Seu Mário

O mestrado de Gestão Integrada do Território da UNIVALE é ambiente oportuno e qualificado para se discutir o que venha a ser território. Poderíamos acompanhar Claude Raffestin e identificar sua presença a partir das relações de poder, com atenção também a Caio Prado Júnior para destacar que o território é o ambiente dos episódios econômicos […]
terça-feira, 8 fevereiro, 2022

O mestrado de Gestão Integrada do Território da UNIVALE é ambiente oportuno e qualificado para se discutir o que venha a ser território. Poderíamos acompanhar Claude Raffestin e identificar sua presença a partir das relações de poder, com atenção também a Caio Prado Júnior para destacar que o território é o ambiente dos episódios econômicos e sociais e, atentamente, aprender com Milton Santos que a formação do território é extrínseca a ele e depende das injunções periódicas da história. Todas essas elaboradas contribuições são válidas e podem auxiliar na compreensão e no afeto existente na comunidade nipo-brasileira.

Depois de muitas décadas, o seu Mário, barbeiro da Prudente de Morais foi e voltou para o Japão. Meus cabelos que já foram mais e maiores, agora ralos e raros durante quase todo esse tempo ficou aos cuidados dele. Desde quando fui defensor público e a Defensoria funcionava no prédio onde está o Restaurante Popular, o Mário cuidava de conter os aneis e acomodar o formato.

Sempre cortês e profissional, com dedicação total e boa vontade que sua clientela, não era apenas um conjunto de consumidores dos serviços, mas uma plêiade que se tornava amiga. Se todo ambiente de encontro estético é favorável às interações sobre os outros, o salão Casa Branca não era diferente. O Mário como era muito procurado e atendia a todos, sempre estava atualizado e trazia uma novidade: um comentário, notícia ou informação sobre política, a violência ou um causo pitoresco.

Honestíssimo, como certamente registraria Nelson Rodrigues se o conhecesse. Espaço familiar, muitas vezes acertou a franja da Beatriz e capturou o João como cliente, elos fortalecidos por pirulitos e balas. Sua ida para somar-se aos seus familiares foi refletida e planejada, e a felicidade dele, certamente faz o contentamento de todos os amigos.

Há uma emblemática relação entre Japão e Brasil, cantada em verso e prosa, nos manuais de sociologia e, obviamente nos estudos territoriais que traz uma leveza reflexiva com a ida de Mário, o barbeiro japonês. A presença nipônica no Brasil, o start da imigração em 1908, com o atracar do navio Kasato Maru é uma história em franco desenvolvimento e sem data para ser finalizada. A união desses povos e culturas atravessou gerações e superou elementos que poderiam ser obstáculos árduos, como o idioma e as identidades.

O valor da ética e do afeto, manifestado no respeito humano e compromisso com as tradições para se consolidar o presente e construir o futuro; o comprometimento pela paz e progresso como funções do trabalho e centralidade humana são percepções dessa saga. O Japão no Brasil e o Brasil no Japão, como registra Jhony Arai e Cesar Hirasaki em Arigato – A emocionante historia dos imigrantes japoneses no Brasil, Editora JBC, 2008.

O Mário merecia ao menos um mangá para os quadrinhos contarem seus casos, frases e ponderações. Do insólito que colhia dos relatos dos clientes à pescaria no Rio Doce e da cerveja moderada em Nova Viçosa. Era no falar sobre quem já conhecíamos , que às vezes sabíamos de algum amigo que tinha distanciado, afinal de contas na modernidade líquida é mais fácil se lembrar da necessidade de melhorar a aparência do que recordar contatos humanos.

Não interpretem mal, o Mário era avesso à bisbilhotice e jamais se prestaria a um papel parecido com o de Figaro, em O barbeiro de Sevilha (Rossini), pois ser cupido não era do seu feitio. Por certo, entretanto, que tenha ouvido confissões; o que fez delas, não sei.  Desconfio em quase uma certeza, que Mário não contou nem a si mesmo como japonês mineiro por vocação, fez igual ao poeta da mais alta conta, o Carlos Drummond: Ninguém sabe Minas. A pedra o buriti a carranca o nevoeiro o raio selam a verdade primeira, sepultada em eras geológicas de sonho. Só mineiros sabem. E não dizem nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas – (Poema A palavra Minas).

Seu Mário trouxe e levou o melhor de si, mas para a nossa alegria deixou como herança e exemplo, também o melhor dele. A vida pela amizade é sempre o nosso melhor território. Arigatô seu Mário! Mataatode!

Gostou? Compartilhe...

Leia as materias relacionadas

magnifiercrossmenu