A inflação é um fenômeno econômico implacável, corroendo salários, destruindo poupanças e, acima de tudo, derrubando governos. A história está repleta de exemplos de líderes que subestimaram seu poder e pagaram um alto preço político. No Brasil, infelizmente, parece que não aprendemos a lição. Ainda há quem acredite que preços podem ser controlados por decreto, que finanças públicas são uma questão de vontade política e não de matemática básica. Essa visão mágica da economia já custou caro ao país no passado e, se persistir, custará novamente. É o terraplanismo da economia política, defendido por gente com alta escolaridade.
A República de Weimar, na Alemanha dos anos 1920, é talvez o exemplo mais emblemático do caos gerado pela inflação descontrolada. Com o governo imprimindo dinheiro sem lastro para cobrir dívidas de guerra, os preços dispararam de forma absurda. Em 1923, a inflação mensal atingia índices absurdos. Trabalhadores recebiam seus salários em carrinhos de mão cheios de notas que, horas depois, não valiam mais nada. A crise destruiu a economia, alimentou o desespero social e pavimentou o caminho para a ascensão do nazismo.
Na França do século XVIII, a monarquia de Luís XVI enfrentou uma crise fiscal semelhante. Gastos excessivos com guerras, luxo da corte e um sistema tributário injusto levaram o Estado à falência. Quando o governo tentou imprimir mais moeda para cobrir seus déficits e aumentar tributos, especialmente para os mais pobres, a crise se espalhou e o descontentamento popular explodiu na Revolução Francesa (1789).
Mais recentemente, na América Latina, países como Argentina e Venezuela viram seus governos perderem popularidade rapidamente por não controlarem a inflação. Na Argentina, a taxa anual superou 200% em 2023, e o presidente Javier Milei, eleito, no final de 2023, com discurso de ajuste fiscal, enfrenta dilemas econômicos e sociais, tomando decisões impopulares e radicais. Seu antecessor não conseguiu sequer se candidatar e seu indicado foi massacrado nas urnas. Na Venezuela, a hiperinflação chegou a índices milionários em 2018, destruindo a economia e levando milhões à miséria, com um governo que se mantém somente por processos autoritários.
Aqui, o governo Lula parece ignorar esses exemplos históricos. Em vez de enfrentar o problema fiscal desde o início, optou por brigar com o Banco Central, pressionar por mais gastos e, agora, sugerir manipulações estatísticas para mascarar a inflação. O vice-presidente Geraldo Alckmin chegou a propor que energia e alimentos fossem retirados do cálculo do IPCA, como se isso resolvesse o problema. Essa ideia não apenas falseia a realidade, como demonstra uma postura perigosa: a de que o governo prefere maquiar os números a fazer reformas difíceis. O fato em si desta metodologia ser adotada pelos EUA não quer dizer que devemos adotá-la, especialmente porque isso não está sendo proposto como uma melhoria, mas uma solução para esconder um problema.
O resultado? A inflação acumulada em 12 meses já supera 4,5% (dados de 2024), pressionada principalmente por alimentos e serviços. Os juros básicos (Selic) permanecem altos (14,5%), as contas públicas seguem desequilibradas, e a popularidade do presidente despenca. Pesquisas mostram que a rejeição a Lula cresce justamente entre os mais pobres – os mais afetados pela alta de preços.
Não faltam propostas para resolver o problema. A reforma tributária, discutida há décadas, é consenso entre economistas de diferentes espectros políticos – de Haddad a Guedes, de Ciro Gomes a Armínio Fraga. Todos concordam que é preciso aliviar impostos sobre os mais pobres e taxar mais os ricos. Mas isso é só parte da solução. E o pior, isto ainda não está sendo implementado.
O verdadeiro desafio é focar no gasto público. Não se trata de cortes cegos, mas de priorizar eficiência: eliminar privilégios, acabar com desperdícios e direcionar recursos para políticas que realmente reduzam desigualdade e aumentem produtividade. Enquanto isso não for feito, o Brasil seguirá patinando entre crises inflacionárias, juros altos e crescimento pífio.
A inflação é um imposto invisível que penaliza os mais vulneráveis. Governos que a ignoram acabam derrotados pelo descontentamento popular. O Brasil já viveu isso nos anos 1980 e 1990, quando a hiperinflação destruiu planos econômicos e governos. Repetir os mesmos erros, não é apenas irresponsável – é uma traição aos que mais precisam de políticas sérias. Se o atual governo quer recuperar sua popularidade, deve parar de culpar os índices e enfrentar o verdadeiro problema: a falta de controle fiscal. Caso contrário, a história – implacável como sempre – se repetirá. E o preço, como sempre, será pago pelos mais pobres.
Sobre o autor
Jamir Calili Ribeiro é professor de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus de Governador Valadares, membro da Academia Valadarense de Letras, Patrono Machado de Assis, Vereador e ex-secretário municipal de Fazenda de Gov. Valadares.
E-mail: jamir.calili@ufjf.br