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Saúde Mental docente como direito - Parte III

Leia a coluna desta semana Lo-Ruama Loring Bastos
Saúde mental docente. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 15 junho, 2025

por Lo-Ruama Loring Bastos

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A partir das indagações sobre os adoecimentos psicossociais dos professores, buscamos por saídas que possibilitem tais desadoecimentos e que também resgatem os genuínos propósitos da docência, sem sucumbir em resignações sacerdotais. O artigo anterior explorou a reconstrução de sentidos e propôs políticas públicas para enfrentar o esgotamento e o vazio existencial docente, mitigando a ampliação da patologia profissional. Contudo, não sei se evitar todos os danos causados no exercício docente esteja na pauta da vida, mas ouso acreditar na sua redução significativa, mediante ações estratégicas, fundamentadas, planejadas e executadas com rigorosa responsabilidade profissional, humana e institucional.

Pensando nisso, apresento, portanto, vias potenciais que possam funcionar como botes de resgate e de proteção, para transformar a tóxica realidade no ambiente escolar. E como sempre pontuo e não poderia deixar de reiterar, que soluções exigem investimento substancial, trabalho contínuo e recursos humanos qualificados, pois a saúde mental docente não constitui mera benesse, mas pré-condição absoluta para a existência de uma escola que não adoeça seus atores. Nesse contexto, duas determinações legais emergem como promessas teóricas de garantia:

1) Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST - Decreto 7.602/2011), marco regulatório que estabelece a obrigatoriedade de prevenção de acidentes, doenças e, criticamente, riscos psicossociais em todos os ambientes laborais, incluindo escolas (professores lendo isso e rindo de nervoso!). Seu escopo abrange riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais, visando ambientes seguros e saudáveis.

2) Lei Federal 12.645/2012 (Dia Nacional da Segurança e Saúde nas Escolas), que institui o dia 10 de outubro como data dedicada à reflexão e abordagem da segurança e saúde no contexto educacional, buscando explicitamente ampliar a inserção desta pauta nas instituições de ensino e fomentar práticas de bem-estar.

Contudo, a dissonância entre o arcabouço legal e a realidade concreta é abismal e reveladora, já que entrelaça a realidade dos dias que se seguem pós promulgação. Uma das questões é o desconhecimento e a invisibilidade das políticas, já que passados 14 anos da PNSST e 13 anos da Lei 12.645/2012 e tais instrumentos permanecem largamente ignorados pelas políticas municipais e pela comunidade escolar. Suas estruturas, finalidades e exigências são marginalizadas nos calendários e nas práticas pedagógicas. A data de 10 de outubro é sistematicamente negligenciada, conforme constatado empiricamente pela ausência de qualquer ação significativa em dezenas de escolas visitadas e observadas.

Vemos que há uma inefetividade cínica que traz à tona, uma inflação de transtornos mentais como principal causa de afastamento e abandono da carreira docente – superando até mesmo os antigos problemas vocais – que expõe de forma cristalina a inoperância de políticas públicas, como estas leis. Elas não passam de letra morta no enfrentamento da crise sanitária que assola o magistério.

A falácia da resiliência individual com a aplicação da PNSST, quando ocorre, esbarra na lógica perversa que reduz o docente a um "agente resiliente". Esta narrativa ignora solenemente a evidência robusta, reforçada pela obra de Christophe Dejours, de que o adoecimento docente é fracasso institucional crônico, não falha individual. A violência física, emocional e moral sofrida por professores nas mãos de alunos, pais, pares e gestores permanece sem resposta efetiva, exacerbando níveis de estresse, ansiedade, depressão, desamparo... e morte – como aconteceu em Curitiba, no dia 30 de maio, em que a professora Silvaneide Monteiro Andrade morreu dentro da escola, sendo cobrada por metas e resultados, em plena reunião pedagógica. A pressão, o desamparo, a cobrança que ultrapassa os limites da função e da humanidade estão ceifando a classe docente. Políticas públicas sem regularização e implementação é letra morta da lei. Se assim prosseguir, logo seremos todos.

Sobre a autora

Lo-Ruama Loring Bastos é Mestra em Educação e Docência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É Pesquisadora, Historiadora, Professora do Ensino Superior, Consultora Educacional. Trabalha com Formação de Gestores e Professores; Qualidade da Saúde Mental no Ambiente de Trabalho; Esgotamento Psicossocial, Mal-estar Docente e Escolar. Contato: @viamestra

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