por Lo-Ruama Loring Bastos
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A lógica neoliberal, como critica Nancy Fraser, converte direitos em mercadorias e o sucateamento das escolas e do trabalho docente é a face perversa desse projeto. E o que temos como caminhos e saídas? Temos um árduo trabalho pela frente, que exigirá o rompimento com a “pedagogia da ausência”, – como define um velho conhecido nosso, o psicólogo educacional Lev Vygotsky – que ignora as bases emocionais do aprendizado.
Mas como resgatar o sentido da docência sem cair no discurso vazio da “resiliência sacerdotal”? Como propor estratégias coletivas de enfrentamento, articulando saúde mental, empoderamento profissional e reconfiguração de práticas pedagógicas? É possível reduzir os danos e reacender “a chama” da profissão docente? Bem... ouso afirmar que, sim! Só que as saídas jamais estiveram ou estarão em fórmulas mágicas e imediatistas, mas, em ações coletivas e políticas estruturadas, porque a transformação exige atuação conjunta de governos, escolas e sociedade. Projetos como a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), atualizada pela Portaria MTE nº 1.419/2024 – apresenta uma importante mudança ao reconhecer formalmente os riscos psicossociais como parte dos fatores a serem considerados no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) – e outras iniciativas municipais com- provam que é possível reverter o adoecimento mental docente, mas é fundamental que tenha investimento em redes de apoio, condições dignas de trabalho e reconhecimento profissional.
E para mostrar que a saúde docente não é um custo, e sim, a base para uma educação pública de qualidade, discorro por duas rotas possíveis que operam na redução das dores e dos danos causados na docência:
1) Programas de Saúde Mental nas escolas com equipes multiprofissionais, conforme recomendado por políticas públicas/leis. A Lei 13.935/2019, por exemplo, dispõe sobre a prestação de serviços de psi- cologia e assistência social nas escolas públicas da educação básica e representa um avanço significativo no reconhecimento da necessidade de enfrentar desafios psicossociais que permeiam o cotidiano escolar, como violência, evasão e dificuldades de ensino e aprendizagem.
Sustentada pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu- cação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no Brasil, a lei surge como resposta a demandas históricas por uma educação integral, como direito, que articule dimensões pedagógicas e socioemocionais. Mas apesar do potencial transformador, a implementação nos estados e municípios brasileiros tem sido marcada por lentidão, desinteresse político, fragmentação e, na maioria dos casos, pela ausência concreta desses profissionais nas unidades escolares.
2) Desenvolvimento de Competências e Habilidades Socioemocionais para capacitar professores em Gestão Emocional (com vieses para mediação de conflitos e comunicação não violenta), integradas a metodologias da Justiça Restaurativa (JR) e de Cultura de Paz nas escolas. Considerada uma abordagem transformadora, de necessária integração ao Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, a JR substitui práticas punitivas por processos dialógicos e reparadores, focados em reconstruir relações, responsabilizar-se de forma significativa e fortalecer a comunidade escolar. Ressalta-se, porém, a necessidade de discernimento na aplicação do método: a JR deve ser empregada em tensões relacionais, mas não substitui mecanismos legais em crimes sérios.
Assim, independente da escolha, nenhuma política pública deve ser implementada ao sabor dos ventos verticais. Ainda que pareça simples, a alternativa vai exigir discussões preliminares, análise metodológica, preparo da equipe, engajamento da comunidade escolar, protocolos claros, integração ao PPP, regularidade e avaliação contínua.
É preciso compreender que todo início é laborioso, necessita tempo e elaboração para alcançar êxito e boa colheita, por isso, que os implementadores das propostas devem ter perseverança e muita clareza na comunicação com todos os envolvidos, para não haver falhas evitáveis.
Logo, as propostas devem ter um alinhamento com os PPPs que integram habilidades como empatia, autogestão e colaboração ao currículo escolar. E a política, revisada periodicamente para incorporar novas demandas educacionais, reforça o papel da escola na formação integral dos estudantes, combinando aprendizagem acadêmica com o fortalecimento de relações interpessoais saudáveis. [...]
Continua na próxima edição.
Lo-Ruama Loring Bastos é Mestra em Educação e Docência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É Pesquisadora, Historiadora, Professora do Ensino Superior, Consultora Educacional. Trabalha com Formação de Gestores e Professores; Qualidade da Saúde Mental no Ambiente de Trabalho; Esgotamento Psicossocial, Mal-estar Docente e Escolar. Contato: @viamestra