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Rabugices

Leia a coluna desta semana de Marcius Túlio
Pessoa rabugenta. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 4 maio, 2025

por Marcius Túlio

Do alto de sua sabedoria, meu pai, há mais de trinta anos, dizia que o advento da televisão havia esvaziado o teatro, o cinema e estava caminhando a passos largos para esvaziar o futebol no Brasil.

Sua visão, nesse contexto, era de que as peças de teatro e os filmes do cinema foram trazidos até as poltronas das nossas casas, desobrigando-nos de ir ao teatro e ao cinema, bastava ligar a TV que as obras se apresentavam a nós no conforto de nossas residências.

A princípio, não lhe dei muita atenção, especialmente quando projetou o fenômeno ao futebol, afinal, por ser um apaixonado pelo esporte bretão, era um aficionado em ir ao estádio, sempre que me era possível, embora já tivesse uma espécie de intuição de que estava certo quanto ao teatro e ao cinema.

No Brasil, cujas produções cinematográficas nunca foram lá grandes obras, salvo raríssimas exceções, minha geração se apegava aos produtos internacionais, com ampla vantagem para as produções norte americanas, que aos poucos, foram exibidas nas seções diárias da TV, em diversos horários e sempre com lançamentos cada vez mais atualizados.

Logo, as seções de cinema, automaticamente foram esvaziadas e o advento das TV a cabo, streaming e aplicativos que exibem filmes quase que em tempo real do lançamento, terminaram o serviço.

Relativamente ao teatro, nunca tive um contato direto, já que o acesso a salas de teatro eram raras, especialmente nas cidades do interior, mas é de se notar que os grandes artistas teatrais migraram para a TV, por razões diversas, talvez por ser uma inovação e por proporcionar maior visibilidade e com isso mais dinheiro.

Não confere, portanto, que o apoio ao teatro foi abandonado pelo público e por eventuais governantes, em sã consciência, as artistas optaram por um caminho mais lucrativo, digamos assim.

Quanto ao futebol, quase que uma profecia do meu velho pai, esse sim, merece uma boa análise.

Por se tornar um entretenimento substancialmente demandado, com perspectiva de altos lucros, obviamente despertou a atenção das grandes emissoras de televisão, que trouxeram os grandes e os pequenos jogos para dentro de nossas casas.

Os lucros exorbitantes ditaram que eram necessários mais e mais jogos, eclodindo num calendário que os amantes do futebol não conseguem acompanhar, mas ainda assim, os canais ditos esportivos se multiplicaram e produzem matéria ininterruptamente, 24 horas por dia.

Daí, vieram as casas de apostas, que até patrocinam jogos e times, dá nome a campeonatos e torneios, num casamento no mínimo estranho.

É importante frisar que os estádios, salvo algumas exceções, foram se esvaziando e as emissoras de TV faturando, em que pese a hipocrisia de defenderem estádios cheios.

Não é racional jogos realizados em dias úteis, às 21:45h. Chega ser uma ofensa ao torcedor que trabalha no outro dia, sabemos que os horários, no Brasil são impostos pelos canais de TV, que inclusive patrocinam os times e a tal CBF, cuja reputação já é, por demais conhecida.

Nesse horário, é normal e racional, que os amantes do futebol, salvo as exceções já mencionadas, optem por ficar em casa e acompanharem seu time do coração pela TV a pagar ingressos a preço de ouro.

Mas o pior está por vir, isso meu pai não previu: a promiscuidade entre o futebol e a política.

Vergonhoso acompanhar as notícias que veiculam em torno da entidade máxima do futebol brasileiro se juntar a arranjos políticos, entretanto não chega a ser uma novidade, já que o esporte movimenta uma quantidade significativa de dinheiro, dá palanque e proporciona um campo muito fértil para lavagem de dinheiro como temos acompanhado.

Não bastasse isso, ventilaram emplacar um uniforme político na seleção brasileira, que já foi uma paixão nacional.

Os interesses econômicos sobrepujaram os interesses esportivos, fato nitidamente, talvez escrachadamente, notório no Brasil, o amor ao escrete canarinho, símbolo da terra do Rei do Futebol foi se transformando em escárnio notadamente pelos resultados negativos que interesses escusos determinaram ao longo da escalada econômica e demagógica em detrimento da admiração pela arte que o futebol despertava.

Não obstante, desastrosamente se aventou a possibilidade de se substituir o amor pelas cores amarela, azul e branca com detalhes em verde, símbolo de uma nação que se orgulhava das façanhas do escrete brasileiro, pelo vermelho, cor do sangue que os brasileiros entregam todo dia em sua luta por uma sobrevivência digna.

Vermelho, só de vergonha das sandices daqueles que almejam transformar o futebol, paixão nacional, em movimentos politicamente orquestrados, visando objetivos estranhos ao esporte.

Lamentável que o jargão futebolístico de outrora, onde “a bola é de couro, o couro vem do boi, o boi come grama, a bola rola na grama” fora desmistificado por carpetes empoeirados ou num esporte de videogame, cujos participantes se travestem de figuras mitológicas, com penteados apocalípticos.

É abominável perceber o nível de torpeza e insensatez daqueles que pretendem vilipendiar costumes e valores usando argumentos que atacam sentimentos íntimos e arraigados para impor sua própria convicção a ponto de bloquear pensamentos e opiniões.

A taça do mundo já foi nossa, agora só nos restam lembranças que furtivamente tentam nos arrebatar.

Paz e Luz.

Marcius Túlio é coronel da Polícia Militar de Minas Gerais

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