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Plano diretor: reflexões sobre as políticas públicas habitacionais

O professor Jamir Calili analisa as políticas públicas para a habitação previstas no Plano Diretor
Construir uma cidade é uma ação que exige planejamentos diversos. Foto: Tim Filho JC
terça-feira, 19 março, 2024

Votado na Câmara Municipal nestes quatro anos de legislatura: o Plano Diretor. Já falei sobre este assunto e estou voltando a debatê-lo, uma vez que as condições formais estão enfim dadas e as reuniões preparatórias já estão ocorrendo.

A previsão é de que um novo Plano Diretor seja votado ao final deste ano. A condução se dará pelo Núcleo Gestor, com participantes do executivo, legislativo e da sociedade civil. O debate público sobre o plano diretor é fundamental.

Proponho ao leitor um exercício: imagine a cidade dos seus sonhos ou a cidade que você gostaria de morar. O que tem nesta cidade? Como ela se organiza? Não utilize termos imprecisos como uma cidade justa, igualitária, livre, boa.

Utilize termos concretos, como ruas com comércio, prédios altos ou baixos, uma cidade mais histórica ou uma cidade mais moderna? Se fizermos essas perguntas para 100 pessoas, teremos provavelmente 100 modelos de cidades diferentes nas quais os indivíduos querem morar.

Eles podem ter ideias até parecidas, mas normalmente irão discordar sobre algumas questões. Além disso, esses sonhos e desejos dependem de condições concretas de realização, como recursos financeiros, espaços territoriais, realidades comunitárias já pré-existentes, investimentos privados e públicos, etc.

Construir uma cidade não é colocar peças de madeira em uma mesa tal como aquele brinquedo infantil e ir desenhando onde os indivíduos irão passar. As famosas linhas retas das cidades planejadas, como foi o caso de Gov. Valadares, em relação ao centro da cidade, são eficientes e racionais, e até necessárias, mas a cidade é muito mais profunda do que isso.

O planejamento dá conta de muita coisa, mas não dá conta de tudo. Os urbanistas e juristas precisam dialogar com arquitetos, decoradores, antropólogos, sociólogos e economistas, pois a cidade é muito mais complexa.

Exemplifico o meu argumento analisando, por exemplo, o caso das políticas habitacionais. Uma cidade, em termos habitacionais, pode surgir de três maneiras. Pode surgir de um processo espontâneo em que pessoas constroem suas residências seguindo um conjunto mínimo de regras.

A estética segue padrões que consideram preferências individuais. Neste caso, a cidade vai se diversificando. A segunda delas é um processo formal induzido pelo setor público, geralmente na construção de moradias populares. Criam-se padrões de moradia popular e estas são construídas aos montes.

O terceiro modelo é um misto. A espontaneidade permanece, mas a construção de moradias é altamente estimulada pelo governo, como uso misto, prédios com diversidade de estilos de apartamento, etc. O construtor é incentivado a construir em modelos que respondam às necessidades públicas.

Todos esses casos desafiam a lógica meramente legal e esbarram em desafios não formais. Por exemplo, se o modelo predominante é o espontâneo, temos algumas questões para serem resolvidas. A espontaneidade não considera, muitas vezes, a prestação de serviços públicos, como postos de saúde, tráfego urbano e escolas.

O governo municipal quase não consegue se preparar para fornecer serviços e responde às demandas reativamente e não preventivamente. Esses casos se tornam ainda piores diante das construções informais e da ocupação de locais inadequados como “lagoas secas”, áreas verdes e áreas vulneráveis de encosta.

O modelo de política habitacional que preponderou no Brasil nos últimos anos foi o modelo da construção de casas populares padronizadas. Reconheço seus méritos. Mas ao desenhar linhas em gabinetes, esse modelo apresentou sérios problemas. O barato saiu caro socialmente, pois não considerou a complexidade social da vida urbana.

Além de criar vários bairros distantes, em muitos casos desconsiderou o mundo do trabalho, serviços públicos e migrou comunidades distintas para um território desconhecido, forçando conflitos e novas sociabilidades. Programas habitacionais desse tipo acabam não contemplando a revitalização de áreas urbanas de interesse social já consolidadas, respeitando territórios já existentes.

O terceiro modelo tem méritos importantes. Ao permitir a criação de instrumentos urbanos necessários para conciliar a força da espontaneidade do mercado com os objetivos do planejamento urbano, ameniza os problemas apresentados acima e é um modelo que considera ordenação e espontaneidade.

O problema é que esses modelos exigem instituições públicas eficientes e regras claras, onde o debate público está amadurecido.

Esse modelo reconhece que cidades são contraditórias e precisam se diversificar, porém, em cenários democráticos frágeis, o modelo pode ser capturado por setores hostis da cidade e não servir ao propósito original. 

Boas gestões deveriam considerar a utilização dos três modelos para finalidades distintas, considerando especialmente a pobreza e a desigualdade existente.

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