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O comércio como alicerce civilizatório

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Expoleste. Foto: Divulgação
domingo, 25 maio, 2025

por Jamir Calili

A realização da EXPOLESTE 2025, evento que consolida o comércio e a prestação de serviços como pilares da economia valadarense, oferece uma oportunidade ímpar para refletir sobre a importância das relações comerciais na trajetória humana. Mais do que meras transações econômicas, o comércio sempre foi um mecanismo fundamental de interação social, difusão cultural e progresso material. Desde as trocas primitivas até os complexos fluxos globais contemporâneos, a atividade comercial moldou civilizações, aproximou povos e contribuiu para a construção de valores universais. Defendo, aqui, neste artigo, ainda que de maneira sucinta, o papel civilizatório do comércio, analisando suas dimensões históricas, antropológicas e econômicas.

As trocas comerciais são uma constante em todas as sociedades conhecidas, desde as mais simples até as mais complexas. O antropólogo Bronisław Malinowski, em Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), descreveu o Kula, um sistema de trocas cerimoniais entre as ilhas da Melanésia, que transcendia o mero utilitarismo econômico. Essas trocas consolidavam alianças políticas, estabeleciam hierarquias sociais e garantiam coesão entre grupos distintos.

De forma análoga, as civilizações pré-colombianas desenvolveram redes comerciais extensas, como os pochtecas astecas, mercadores que atuavam como diplomatas e disseminadores de cultura. O comércio, portanto, nunca se restringiu à circulação de bens; foi também um veículo de ideias, tecnologias e valores. Inclusive, é esse o papel de inúmeras diplomacias mundiais que não se restringem a papéis de meras relações institucionais entre nações, mas verdadeiros mascates de produtos materiais e culturais de seus países de origem. Por exemplo, recentemente a Coreia do Sul instituiu a diplomacia cultural, difundindo mundialmente seus doramas e K-pops. Não pensem, vocês, que o enxame desses produtos se deu sem a intervenção da diplomacia sul-coreana.

Uma tese relevante, defendida por autores como Deirdre McCloskey e Montesquieu, sustenta que o comércio foi um dos principais catalisadores do conceito de direitos humanos. A necessidade de interação entre povos distintos exigiu normas de convivência, tolerância e respeito mútuo. O “doux commerce” (comércio suave), expressão cunhada por Montesquieu em O Espírito das Leis (1748), argumenta que as transações comerciais moderam conflitos, pois tornam os homens interdependentes.

Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), também aborda essa dimensão civilizatória:

“(…) Para alimentar essa população que cresce incessantemente, preciso se faz aumentar a produção. Se a produção de um país é insuficiente, será necessário buscá-la fora. Por isso mesmo, as relações entre os povos constituem uma necessidade. A fim de mais as facilitar, cumpre sejam destruídos os obstáculos materiais que os separam e tornadas mais rápidas as comunicações. Para trabalhos que são obra dos séculos, teve o homem de extrair os materiais até das entranhas da Terra; procurou na Ciência os meios de os executar com maior segurança e rapidez. Mas para os levar a efeito, precisa de recursos: a necessidade fê-lo criar a riqueza, como o fez descobrir a Ciência. A atividade que esses mesmos trabalhos impõem lhe amplia e desenvolve a inteligência, e essa inteligência que ele concentra, primeiro, na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não há grandes trabalhos, nem atividade, nem estimulante, nem pesquisas. Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso”.

Essa visão não ignora os conflitos e desigualdades inerentes ao processo histórico, mas reconhece que o comércio impulsionou avanços materiais e intelectuais.

Economistas clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, destacaram o comércio como fator de aumento da produtividade e da riqueza das nações. Smith, em A Riqueza das Nações (1776), argumentou que a divisão do trabalho e a especialização comercial elevam a eficiência econômica. Ricardo, por sua vez, desenvolveu a teoria das vantagens comparativas, demonstrando que mesmo países menos eficientes em todos os setores podem se beneficiar do intercâmbio comercial.

Estudos contemporâneos reforçam que economias abertas tendem a crescer mais e distribuir melhor seus frutos. O comércio estimula a inovação, reduz custos e amplia o acesso a bens e serviços. Como observou o Nobel de Economia Paul Krugman, “o comércio não é um jogo de soma zero, mas um mecanismo de criação mútua de valor”.

É por essas reflexões que saudamos a realização da EXPOLESTE 2025, pois esta simboliza não apenas a vitalidade econômica de Governador Valadares, mas também a perpetuação de uma prática milenar que moldou a humanidade. Celebrar o comércio é reconhecer seu papel na construção de sociedades mais prósperas, conectadas e tolerantes. Parabéns, Associação Comercial por mais um evento.

Jamir Calili, Vereador, Professor de Direito da UFJF e membro da Academia Valadarense de Letras

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