Por Marcius Túlio
É flagrante e notório que viver no Brasil nos sombrios tempos atuais se tornou um jogo de equilíbrio, seja físico, emocional ou psicológico.
As piruetas acrobáticas que o brasileiro comum, mortal, precisa realizar para sair com ferimentos suportáveis estão se tornando cada vez mais arriscados, já que, incólume, é praticamente impossível escapar.
As amarras a que estamos submetidos, com nossa permissão tácita, diga-se de passagem, vem se tornando mais perscrutadoras visando maior capilaridade no que tange ao controle estatal sobre a vida dos cidadãos, tudo isso em doses homeopáticas e até certo ponto indolores, se estabelecendo silenciosamente nos costumes e na vida cotidiana.
A retroalimentação de um sistema voraz que consome recursos vitais para a saúde social vem se tornando insustentável sob um ponto de vista minimamente racional, de modo que estancar essa verdadeira sangria desatada está mais e mais distante e provavelmente deixará sequelas quase irreversíveis a curto ou médio prazo.
A insegurança instalada no país, de norte a sul, de leste a oeste já se tornou medo, democraticamente estamos a pisar em ovos em todos os sentidos tal qual a população alemã nas décadas de 30 e 40 do século passado ou mesmo no pós Revolução Francesa.
Enquanto os alemães e franceses de outrora tentaram se esquivar dos campos de concentração ou da guilhotina, nós os brasileiros pelejamos contra inquéritos fantasmas e aterrorizantes que pipocam aqui e acolá sem limites ou base legais.
A premissa de que “nullum crimen nulla poena sine lege”, em português nenhum crime, nenhuma pena sem lei ou “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” Art 1º do Código Penal Brasileiro, trata-se do princípio da reserva legal, pétreo da nossa Constituição, tida como cidadã, em seu Art 5º, inciso XXXlX, parece ter perdido o sentido ou entrado em desuso.
Pouco a pouco, os princípios democráticos alardeados aos quatro ventos quando da promulgação da Constituição Cidadã, modelo para o mundo, vão se tornando figuras de linguagem ou nostalgia barata para os saudosos e para os incautos.
Qualquer discordância da democracia relativa é sentença condenatória com efeitos duradouros e cruéis e na medida em que o tempo passa, vem se afunilando perigosamente.
O som inebriante do “canto da sereia” ainda se faz ouvir em tonalidade suave e envolvente, as tormentas são abrandadas por cortinas de fumaça perfumada e calmantes.
Será que sabem que ainda estamos aqui?
Enquanto isso, os brasileiros comuns são reduzidos a alcovas, provavelmente escrevendo suas memórias em pergaminhos que resistem ao tempo, amordaçados, se limitam a fazer piada de tudo, exaltando sua capacidade de resiliência bem humorada ou talvez por comodismo mesmo.
Nossos paladinos não são mais os mesmos, talvez a modernidade os encaminhou a novos focos de ótica, talvez os novos sopros de liberdade traduzam uma realidade dimensional alternativa que os simples mortais não são capazes de acessar ou mesmo perceber as consequências resultantes.
Os constantes e flagrantes vilipêndios à Carta Magna nos reduziram a uma republiqueta de terceiro mundo, retirando-nos da geopolítica internacional, classificando-nos como vassalos de um sistema que resiste ao progresso moral, enquanto os cidadãos se movem como peões num tabuleiro de peças viciadas em um jogo de narrativas e especulações enganosas e fugazes.
Fechar a cortina é o próximo passo, a cortina de ferro, talvez uma cópia genérica da falida e extinta URSS, onde a propaganda fantasiosa, perpetrada por uma mídia amordaçada ou monetariamente conivente vende imagens ilusórias e cinematográficas, enquanto a nação é implodida por arroubos autoritários.
Não há dúvidas de que vivemos na corda bamba, mas ainda há quem se contenta com a corda.