por Gilmar de Oliveira
Vivemos tempos de profundas transformações nas relações humanas, marcados por fenômenos até então desconhecidos, como é o caso do que denominamos agora “divórcio cinza”.
O termo, cada vez mais frequente no Brasil, refere-se à separação de casais experientes, acima dos 40 ou 50 anos, faixa etária que atualmente representa cerca de 30% dos divórcios registrados no país — um salto expressivo em relação aos 10% de 2010.
Esse fenômeno revela mudanças sociais importantes: o aumento da expectativa de vida, a busca por satisfação pessoal na maturidade, o empoderamento feminino e a independência financeira das mulheres, além da saída dos filhos de casa, enfim, uma soma de fatores que levam muitos casais a repensarem as suas relações de décadas e a buscar novos caminhos para a felicidade pretendida.
Diante desse cenário social, impossível não trazer à tona os reflexos da pandemia de Covid-19, a qual acelerou e expôs fragilidades já presentes nas relações humanas. O isolamento social, necessário para conter o vírus, expôs sentimentos de solidão, ansiedade e depressão, afetando tanto a saúde mental quanto a dinâmica dos relacionamentos.
O distanciamento físico impôs barreiras ao contato humano, transformando abraços em acenos e limitando a convivência presencial até mesmo entre familiares próximos. Crianças e adolescentes tiveram sua socialização prejudicada, enquanto adultos e idosos viram a rotina se restringir ao espaço doméstico, intensificando o sentimento de afastamento.
Nesse contexto, a tecnologia e as redes sociais desempenharam um papel ambíguo. Por um lado, permitiram a manutenção de vínculos e a comunicação instantânea à distância; por outro, aprofundaram a desconexão emocional, substituindo o contato presencial por interações digitais superficiais. Os efeitos colaterais deste novo jeito de expressar nossa consciência coletiva já são conhecidos.
O excesso de estímulos externos e a busca por validação nas redes têm contribuído para o aumento da ansiedade, da insatisfação e da sensação de isolamento, mesmo quando estamos fisicamente próximos de outras pessoas — como em casa, num ônibus, trem, Uber ou voo, onde a proximidade física não garante conexão emocional.
A tecnologia, ao mesmo tempo em que aproxima, pode criar barreiras invisíveis, tornando as relações mais frágeis e menos autênticas, manifestando também a incongruência entre discurso e prática.
Em diversos âmbitos sociais e organizacionais, observa-se um descompasso entre o que se prega e o que se realiza de fato. Promessas de mudança, inclusão e empatia muitas vezes não se concretizam, gerando frustração, cinismo e desconfiança. A coerência entre falar e agir tornou-se rara em uma sociedade marcada por discursos vazios e ações inconsistentes.
Todo esse contexto está sinalizado na contribuição do sociólogo Zygmunt Bauman, que, ao explorar o tema, denominou como relacionamentos líquidos aqueles de nossa contemporaneidade: laços frágeis, efêmeros e descartáveis, típicos de uma sociedade cada vez mais individualista e imediatista.
As conexões são muitas, mas ao mesmo tempo superficiais; o medo do compromisso e a busca incessante por satisfação pessoal impedem o aprofundamento dos vínculos, afetando em cadeia todo e qualquer tipo de relacionamento.
O resultado que temos presenciado é uma sociedade repleta de contatos, mas carente de relações sólidas e significativas — um cenário de solidão compartilhada, onde o vazio existencial se disfarça em meio à hiperconectividade digital, com milhares de “likes” e uma ausência completa de profundidade relacional, sendo apenas um acúmulo indescritível de superficialidade. Nunca estivemos tão conectados. Nunca estivemos tão distantes.
O divórcio cinza é resultado deste novo jeito que a humanidade está escolhendo viver, e seus reflexos não são apenas no tocante à vida conjugal, mas estão relacionados a todo e qualquer tipo de relacionamento.
Há dois versículos contidos no livro sagrado, que traduzem muito bem tudo isto: "Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens." (Mateus 15:8-9 e Isaías 29:13)
Essas verdades valem não apenas para o cristão, mas para todo e qualquer ser humano, independentemente do seu credo e do seu papel na sociedade. Estamos falando muito daquilo que temos tão pouco nos dias atuais: profundidade, tempo de qualidade e prazer na vida relacional.
Construir uma história é muito importante. Mas ela, por si só, não nos sustenta. Viver a superficialidade dos dias atuais diante de uma vida cada vez mais longeva, mas paradoxalmente tão efêmera — não em relação à eternidade, mas a nós mesmos e ao nosso comportamento diante desta nova realidade social — é o nosso desafio.
Empatia, compaixão, presença, compartilhamento do tempo, coerência entre discurso e ação, profundidade nos relacionamentos, frequência e intensidade, ressignificação do uso da tecnologia e redes sociais, enfim, propósito por uma vida coletiva são elementos essenciais para frearmos o avanço dos sinais de que estamos cada vez mais desconectados de nós mesmos, aceitando o isolamento físico como normal e até essencial em face da manutenção dos relacionamentos superficialmente digitais e sociais.
Se o coração voltar a estar próximo, a boca irá proclamar a volta do amor que nos faz sentir no outro o prazer de construirmos, todos os dias, uma vida plena ao lado de alguém.
Somos estações. Passamos por todas elas. Se vivermos somente o inverno, perdemos o calor do verão, os frutos do outono e as flores da primavera. Se observarmos a natureza e seu poder de recriação, seremos capazes, de igual forma, de recriar nossos momentos cinzas em um novo período cheio de vida, cores e calor. Para isso, basta encher o coração daquilo que realmente vale e não está no “emoji” ou no “like”, mas no propósito de um coração de carne. Somente aqui há vida, e esta promove mudanças em todo e qualquer ser humano que queira realmente viver incrivelmente aqui, seus instantes com alguém!
Sobre o autor
Gilmar de Oliveira é Advogado, pós-graduado em Direito Público, em Direito Tributário em Direito Cível e Empresarial, possui MBA em Gestão Estratégica de Cooperativas e Especialista em Liderança Cooperativista. É Membro efetivo do Conselho Fiscal da Fundação Percival Farqhuar - entidade Mantenedora da UNIVALE, Membro do Conselho de Administração da Cooperativa Sicoob Crediriodoce – mandato 2024/2028, Presidente da Comissão de Direito Cooperativo da 43ª.Subseção de Governador Valadares-MG – mandato 2025/2027 e funcionário de carreira da Cooperativa Agropecuária Vale do Rio Doce Ltda, ocupando atualmente o cargo de Diretor Institucional.

Gilmar de Oliveira. Foto: Divulgação