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"Apesar de sermos maioria, ainda temos que lidar com o fato de sermos na realidade, minorias"

Leia a coluna desta semana de Valéria Alves
Foto: Reprodução da Internet
domingo, 9 março, 2025

por Valéria Alves

SER…
Pois é, ser mulher não se tornou uma tarefa fácil com o passar dos anos. Na verdade, tenho a impressão de que só fica mais difícil, apesar das conquistas, que são recentes e poucas. Pois é, meu sentimento só confirma um estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial em 2018, onde foi constatado que serão necessários ao menos dois séculos para termos igualdade de gênero no mercado de trabalho.Em outras áreas como educação, saúde e política, ainda leva 108 anos para que as desigualdades cheguem ao fim. Mas, o avanço da extrema direita ainda pode atrasar isso no Brasil e pode retroagir avanços pelo mundo. Vamos as datas para você ficar em alerta que faz pouco tempo que você, mulher, pode algumas coisas que lhes são caras e que podem sumir de repente.

...MULHER...

As datas a que vou me ater são apenas no Brasil. Em 1827, ou seja, há apenas 198 anos atras, as mulheres ganharam o direito de ir à escola e estudar, graças a Lei Geral. Mas só em 1979 ganharam o direito de ir a faculdade e fazer um curso superior. Nessa época eu tinha apenas 5 anos e nem consigo imaginar viver sem esse direito. Eu tenho dois cursos superiores, estou fazendo o terceiro. Minha filha está fazendo seu primeiro na Universidade Federal do Espírito Santo, eu tenho um Mestrado e uma pós lato sensu. Em 1852 foi lançado um jornal editado por mulheres, “As senhoras”, mas apesar disso não se engane, não tinha um tom crítico e sim, tentava moldar a mulher que a sociedade queria, vide o nome da publicação.

..UMA MINORIA…
Além disso, apesar de sermos maioria, ainda temos que lidar com o fato de sermos na realidade, minorias. Hoje somos 52% do eleitorado brasileiro segundo o TSE, mas, mesmo assim, ainda somos minoria. Em Valadares somos cinco na Câmara de Vereadores (Gilza, Sandra, Geisa, Fernanda e Katia), 24%. E posso dizer que é triste saber o quanto a Gilza foi hostilizada na gestão passada. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais 15 deputadas compõe a bancada feminina, são 19,49% dos 77 deputados estaduais eleitos. Na Câmara federal foram eleitas 91 mulheres, dos 513 parlamentares, para o mandato 2023/2027, mas algumas estão licenciadas para outros cargos como Marina Silva e Sonia Guajajara, que nos representam em outras instâncias. E no Senado, pasmem , 2023 começou com apenas 10 mulheres, entre as 4 eleitas e seis que vinham do mandato anterior. Isso nos torna uma minoria, muito minoria mesmo, e exige muito mais esforço para ser ouvida e fazer valer direitos já garantidos e outras que já deveriam ser uma realidade.

…SEM IGUALDADES…
Eu digo muito mais esforço, porque nós nunca estamos em pé de igualdade com os colegas homens na mesma função. Você mulher, precisa entender que ser feminista é importante, porque foram elas que nos garantiram esses direitos até agora. Foi esse movimento que nos permitiu ir a escola, votar e ser votada, ter uma Lei Maria da Penha. Veja, se você está no congresso, na Assembleia ou Câmara de Vereadores e os seus colegas têm uma mulher em casa que cuide dos filhos, que lave a roupa, arrume a casa, ou uma irmã que ajude a cuidar da mãe que já está idosa e requer cuidados e você precisa fazer tudo isso, além de estar na Câmara, no Senado ou Congresso, ou na gestão de uma empresa, não há possibilidade de igualdade. Você já chega em desvantagem, porque esta, muito mais cansada, te sobra menos tempo para estudar e se dedicar. E veja, se essa mulher for negra, essa desigualdade é ainda maior. Mesmo assim, nos destacamos e conseguimos muito. Mas, há quem nos desvalorize e pior, há outras mulheres que não nos valorizam, mas se beneficiam das nossas lutas e conquistas como se não fossem nossas. E tem gente que quer falar de meritocracia.

…MENOS HUMILHADAS…

Em 1962, há apenas 63 anos, a idade de uma das minhas irmãs, foi criado o Estatuto da Mulher Casada, e só a partir daí e que passamos a não precisar de autorização do marido para trabalhar, passamos a ter direito a herança e a poder pedir a guarda dos nossos filhos. Em 1977, quando eu tinha 3 anos, foi aprovada a Lei do Divorcio, que se tornou uma opção legal para deixar homens que nos violentavam física e emocionalmente, algo que ainda acontece até os dias de hoje e ainda tem gente que acha que está certo. Mas, graças a Deus até a igreja já avançou nisso, mas também por isso, tem gente desejando a morte do Papa. Cristãos? Tradicional família brasileira? A que pontos chegamos. Em 2006 a Lei Maria da Penha, em 2015 a Lei do Feminicídio e em 2018, apenas 7 anos atras a importunação sexual passou a ser crime.

…SEM DESISTIR…

Eu poderia aqui listar várias mulheres que seguem lutando, especialmente por outras mulheres, o que é uma consciência importante. Mas, vou ser bairrista e vou destacar uma iniciativa jovem e recente. Ontem, a publicitária e especialista Gestão de Marcas e Naming, Aminy Gusmao, de apenas 33 anos, deu início ao projeto Dona (acrônimo de “o nome dela”), que tem como objetivo impulsionar o negócio de uma mulher, arrimo de família, para ajudá-la a prosperar. Para tornar o projeto realidade ela reuniu um grupo de voluntários para garantir o registro do nome do negócio no INPI, identidade visual, assessoria jurídica e contábil, plano de negócios, treinamento de comunicação e oratória, consultoria de gestão financeira, limpeza e clareamento dental, um dia de salão e ensaio fotográfico. Afinal, para garantir estabilidade precisamos pensar também em saúde mental, estabilidade financeira,= e na autoestima dessa mulher. Veja, estamos falando de uma jovem, que já nasceu com grande parte desses direitos garantidos, que viveu num país onde a Democracia já era uma realidade instalada pela constituição de 1988, tem privilégios, mas que está sensível as diferenças que nos levam a oportunidades diferentes. Mulheres precisam acreditar em mulheres e não podem desistir.

…FIRMES NA MISSÃO…
E não menos quero falar de mim, que sigo aqui, firme na missão de me reinventar, de me desconstruir, de mudar de opinião, de encontrar novos caminhos para ter orgulho de mim mesmo ao final. Jornalista, com uma carreira de 33 anos, comecei no jornalismo esportivo e ouvi cada coisa, que vocês nem imaginam. Fui a primeira nessa função em nossa cidade e em toda região, quiçá mais além. Depois, o primeiro programa de entrevistas, onde por vezes fui incentivada e agradeço ao Toninho Coelho, José Altino Machado e Almyr Vargas, entre outros, mas por vezes fui desrespeitada na mesa e fora dela. Meu desconhecimento me fez permitir atitudes que hoje me deixam engasgada, mas a análise me ajuda nessa atualização do sujeito que quero me tornar a partir das minhas experiências, porque não posso viver sem elas. Mas, isso só prova que Paulo Freire tinha toda razão, o que nos liberta é o nosso conhecimento. Por isso, estou hoje aqui escrevendo para vocês.

..NÃO TÃO FIRMES ASSIM…
Hoje, estou dispostas e já digo não, porque não tenho medo de nada e nem de ninguém. Só da morte ainda alimento esse temor, porque quero ver a Maria formar, casar (se ela quiser claro), curtir os netos, e exercer uma nova profissão que me permita ser apenas eu e a ajudar outras pessoas a encontrar seus próprios caminhos. Ao longo da trajetória foram atos de misoginia. Não há nada pior que sofrer apenas por ser mulher, sem nenhum outro motivo. Gordofobia, ainda sofro, porque as pessoas me encontram magra e me dizem: - nossa como você esta bonita. Como se isso fosse um elogio. E, às vezes, por educação ainda respondo. As vezes me calo. As vezes respondo o que quero. Confesso que as vezes tenho preguiça. É a cultura da desvalorização da mulher, do culto a violência contra a mulher, da aceitação do desvalor. Mas, seguimos aí, às vezes, não tão firmes assim, mas na missão, porque desistir não é uma opção.

Valéria Alves é jornalista com 30 anos de proissão e proprietária da Obvio Comunicação Integrada, empresa com 2 anos de mercado. Comunicóloga com graduação em Jornalismo e Publicidade & Propaganda (2001), Mestre em Gestão Integrada do 7erritório (2020) pela Univale. Contato: valves@obvioci.com.b

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