A normalidade anormal

O articulista do Jornal da Cidade GV, Marcius Túlio, faz mais uma análise política do Brasil em sua coluna
O Brasil e os brasileiros sempre em busca de suas identidades. Ilustração reproduzida da Internet
domingo, 26 maio, 2024

Em plena “Divina comédia humana, onde nada é eterno”, como poética e romanticamente se expressou Belchior (1946-2017), situo-me intrigado com alguns vetores que atuam sobre o confuso povo brasileiro. Nada que soe como novidade, mas ainda assim intrigante, para não dizer triste.

Após longos anos de aparente indignação com constantes escândalos de corrupção, incorporados aos costumes e ao cenário que se formou sobre a nação, um lampejo de moralidade se assanhou num ambiente amplamente hostil, trazendo um fio de esperança e de sonhos com melhores dias. Dizia-se até que o “Gigante Acordou”.

Por um curto período, considerando a extensão corriqueira, as pessoas acreditaram que o momento da redenção de toda uma nação havia chegado, que o primeiro passo, enfim fora dado e a corrupção, bem como os corruptos, encontraram seu fim.

A esperança saltava aos olhos do povo brasileiro, afinal, corruptos haviam sido descobertos e devidamente apresentados ao mundo, suas falcatruas foram devidamente desvendadas, iniciando-se assim uma limpeza especialmente no meio político, onde se identificaram o estopim da derrama oferecida pela corrupção generalizada e altamente contagiosa.

Oportunamente chamada de “Operação Lava-Jato” a atuação dos órgãos apropriados ao combate, se tornou um exemplo para o mundo, trazendo até certo orgulho ao calejado povo brasileiro, proporcionando uma verdadeira devassa nas coisas públicas, levando às barras da justiça, corruptos já conhecidos, mas imaculados por sua posição política e/ou social.

Foi um tempo, curto, mas de glória para os cidadãos de bem desse país continental, tão desrespeitado, pela sua irreverência com a seriedade, no cenário econômico, político e moral.

Quando tudo parecia ter entrado nos trilhos, a locomotiva descarrilou, tudo desabou e as conquistas se tornaram inócuas, ridículas e obsoletas. Tudo se inverteu, corruptos confessos retornaram ao cenário como heróis populares, todo o processo desenvolvido, suficientemente comprovado e consagrado foi varrido para debaixo do tapete, tal e qual em outras épocas, ou seja, retornamos à normalidade afeta ao Brasil.

A partir dessa inversão de valores, muito comum em republiquetas totalitárias, o país mergulhou de cabeça numa nova crise de identidade, trazendo consigo toda uma população, desde os céticos até os crédulos, de forma impositiva.

Todo o ocorrido na “Lava-Jato” não passou de devaneios de certas pessoas que não aprovam a corrupção institucional? Foi um capítulo fora da curva ou uma anormalidade transitória e passageira, agora reconhecida oficialmente? Será que a  “Lava-Jato” foi uma farsa?

Ao me declarar intrigado, o faço ante a aparente normalidade que essa suposta anormalidade demonstra na percepção popular como um acalento sensorial em contrapartida a  conversas coloquiais que inexoravelmente tenho no meu dia-a-dia, ao perceber olhares perscrutadores com a situação vigente, além de uma insegurança fantasmagórica quanto ao futuro, mas com reações frias, às vezes confortáveis, passivas e resignadas das pessoas, simplesmente elas aceitam como destino, é de fato intrigante, no mínimo.

Medo? Talvez, mas de quê ou de quem?

Ainda que respeite o medo das pessoas, por desconhecer suas razões, não posso aceitar a covardia. O medo não pode ser confundido com covardia, ao contrário, os covardes não têm medo, apenas desprezam seu semelhante e somente olham para seu próprio umbigo.

Paz e Luz.

Marcius Túlio é Coronel da Polícia Militar e analista política

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