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A inflação e o imposto inflacionário

Não há nenhuma dúvida de que um dos desafios do Presidente Lula é explicar ao povo como irá controlar a inflação
Inflação. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 19 janeiro, 2025

Por Jamir Calili

Já escrevi sobre isto nesta coluna em 2022, mas acredito  ser importante falarmos novamente, inclusive repetindo partes do texto que escrevi em outra oportunidade, por ser um assunto que parece que o Brasil nunca supera: a inflação. Em 2024, a inflação terminou acima do teto do limite da meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional, que era de 4,5%. A inflação fechou em 4,83%, um pouco acima. Mesmo assim, sinaliza que o governo está disposto a arriscar nesta seara.

Não há nenhuma dúvida de que um dos desafios do Presidente Lula é explicar ao povo como irá controlar a inflação. Um dos maiores legados do Plano Real foi conter a expansão inflacionária que ocorria em razão de dois fatores principais. O primeiro deles era o déficit público que exigia a emissão de papel-moeda para o governo conseguir honrar com seus compromissos e isso gerava o segundo fator que era a profunda crise de desconfiança que o mercado e as famílias tinham sobre as ações governamentais que geravam, por tanto, uma reação que resultava na desvalorização da moeda e no aumento do preço.

Os mais pobres eram os que mais sofriam e, olhe bem, isso não gerava tantos danos ao governo, uma vez que controlava seu caixa com o chamado imposto inflacionário e mantinha suas dívidas em níveis civilizados, transferindo ao povo os malefícios de suas más decisões. Quando a inflação aumenta e se mantém em níveis elevados, o governo acaba se beneficiando deste fenômeno, explicada a seguir ao leitor.

Por imposto inflacionário, entendemos toda a receita gerada pelo Governo pela emissão adicional de moeda para custear seus gastos. Esse volume maior de dinheiro colocado em circulação faz com que a inflação aumente, especialmente se o quadro é de estagnação econômica. Se a inflação aumenta e os salários não seguem o mesmo fluxo, o poder aquisitivo da população cai. Ou seja, a gente passa a comprar menos com o mesmo valor nas mãos. Embora não seja tecnicamente um imposto, a ciência econômica e a ciência das finanças públicas chamam de imposto para alertar para o tamanho do problema, pois se trata de um imposto simulado, sobre a moeda, porque aquele que detém dinheiro perde parte do seu valor com o aumento dos preços causados pela inflação, enquanto o valor dos impostos arrecadados aumenta e as contas públicas são pagas com defasagem, ou seja, com o valor antes de aplicada a inflação. Isso se dá, por exemplo, com o pagamento de salário de servidores e aposentadorias que, se não são reajustados pela inflação, são corroídos por ela, enquanto o governo aumenta a sua arrecadação em função do aumento dos preços.

Quando o governo precisa expandir sua base monetária por meio de emissão de títulos de dívida pública e moedas, ele cria um cenário de expansão monetária para dar conta dos gastos públicos e elas, acumuladas, acabam gerando a inflação. Quando a inflação começa, a população percebe sua existência de maneira muito diferente, sendo que diferentes grupos são afetados de diferentes maneiras. Ficam na vantagem dois principais grupos da população: a) os que recebem o novo dinheiro em primeiro lugar, pois poderão usá-lo comprando mercadorias pelo preço original, sem a inflação, o que dará a eles uma vantagem temporal, e isso incluí o governo, que paga suas contas, salários e aposentadorias com o dinheiro novo; e b) os que têm dinheiro estocado, que poderão, igualmente, comprar quantidades maiores de determinados produtos e reduzirem o impacto inflacionário.

Nesse sentido, dois principais grupos da população são primeiramente afetados. Os recebedores de salário-mínimo em empregos formais, pois, terão reajustes somente um ano após o início do processo inflacionário, tendo sua capacidade de aquisição de produtos reduzida. E os servidores públicos, especialmente os da metade mais baixa da pirâmide de vencimentos, pelos mesmos motivos dos assalariados e, também, porque, em contextos inflacionários e de baixo crescimento, tendem a não ter vencimentos reajustados como política de controle de gasto público.

Mas esses são somente os dois primeiros grupos afetados. Em pouco tempo, a inflação consumirá o poder de compra de mais de 80% da população e levará à estagnação econômica, uma vez que os agentes econômicos tenderão a reduzir riscos e investimentos. Uma parcela muito pequena da população sairá ganhando, enquanto os índices de pobreza e de desigualdade continuarão crescendo.

O governo pode estar usando a inflação como mecanismo de ajuste fiscal, tal como explicado. Mas é sempre um risco brincar com a inflação, porque ela é um fenômeno que se ampara, também, na confiança dos agentes econômicos em relação às políticas governamentais e esta última semana demonstrou que o que falta ao governo é confiança. Inflação gera ruído no principal mensageiro econômico, o preço. Enquanto isso, vamos caminhando para anos difíceis que se seguirão ao descuido com o orçamento público.

Sobre o autor:

Jamir Calili é vereador em Governador Valadares e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus GV

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