por Jamir Calili
O liberalismo mais do que uma simples doutrina política, representou uma transformação profunda na forma como as sociedades concebem a liberdade, o poder e os direitos individuais. Surgido com ênfase durante o Iluminismo, esse conjunto de ideias propôs que cada pessoa possui direitos naturais inalienáveis e que a autoridade do Estado deve ser limitada para proteger essas liberdades. Ao longo da história humana, os princípios liberais foram cruciais para derrubar regimes absolutistas, inspirar constituições democráticas e garantir conquistas sociais básicas, como a liberdade de expressão e de religião. Em suma, o liberalismo moldou instituições modernas e permanece até hoje como um pilar das sociedades democráticas, ao oferecer um arcabouço para a convivência pacífica e o progresso com base no respeito ao indivíduo.
Um dos marcos iniciais do pensamento liberal foi estabelecido pelo inglês John Locke, no século XVII. Locke argumentou que os seres humanos nascem com direitos naturais – vida, liberdade e propriedade – que nenhum governo pode violar legitimamente. Ele também defendeu a tolerância religiosa e a separação entre Igreja e Estado, reconhecendo o direito de cada um seguir sua própria crença. Para este filósofo, a existência de leis e de um governo baseado no consentimento não suprime a autonomia do indivíduo, mas, ao contrário, serve para protegê-la. Não é por acaso que Locke afirmou que "onde não há lei, não há liberdade". Ou seja, longe de ver as leis como inimigas da liberdade, Locke as via como instrumentos para garanti-la – desde que derivadas da vontade dos próprios governados. Esse conceito inovador de contrato social lançou as bases das futuras democracias liberais, limitando o poder absoluto dos go- vernantes e assegurando direitos individuais fundamentais.
Durante os séculos XIX e XX, os ideais liberais continuaram a se espalhar e a inspirar movimentos por direitos civis e reformas políticas em vários países. Pensadores liberais modernos também refletiram sobre os desafios e tensões do conceito de liberdade. Isaiah Berlin, influente filósofo do século XX, diferenciou tipos de liberdade (como a negativa e a positiva) e advertiu contra os riscos de uma liberdade irrestrita. Em suas palavras, "a liberdade do lobo quase sempre significa a morte do cordeiro". Com essa metáfora, Berlin enfatizou que a liberdade absoluta de alguns pode resultar na supressão da liberdade de outros; em outras palavras, para que a liberdade seja desfrutada por todos, ela precisa de equilíbrio e limites que evitem a opressão dos mais fracos.
Em perspectiva histórica, a importância do liberalismo reside em ter estabelecido os fundamentos para sociedades baseadas no respeito ao indivíduo, no primado da lei e na limitação do poder arbitrário. As ideias liberais fomentaram revoluções e transformações políticas que aboliram antigas estruturas de opressão e abriram caminho para democracias e declarações de direitos hoje consideradas essenciais. No mundo contemporâneo, essa herança é visível na defesa contínua das liberdades civis e dos direitos humanos. Contudo, é preciso reconhecer que tais valores exigem constante vigilância e perfeiçoamento: as lições de Locke, Montesquieu e Berlin nos lembram que a liberdade, para florescer, precisa tanto de princípios sólidos quanto de responsabilidade coletiva. Mantendo vivo esse legado, a humanidade continua a se beneficiar da promessa liberal de dignidade e autonomia para todos.
Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.