Logo Jornal da Cidade - Governador Valadares

Parlamentino à brasileira

Marcius Túlio analisa a atuação do parlamento brasileiro frente às grandes questões nacionais
Em vigor desde 5 de outubro de 1988, a atual Carta Magna é o sétimo texto constitucional promulgado desde 1824. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
domingo, 9 junho, 2024

Trata-se de um prato preparado a várias mãos, de sabor salgado/apimentado, mas com aparência adocicada, sempre pronto para ser servido, não prestando para servir, seja quente ou frio,  a princípio palatável, mas altamente indigesto e pode causar males irreversíveis, tais como a dependência ou úlceras físicas, mentais e psicológicas.

De lado a linguagem figurada, passo ao cerne, a começar pela tradução: parlamentino, do italiano, parlamentar. Como os temos de sobra no Brasil, nada mais justo que uma dedicatória aos tão badalados servidores públicos com os quais convivemos.

Não é novidade que a maioria esmagadora dos nossos parlamentares, excetuando-se o Senado, não é eleita com o voto direto, em decorrência do processo eleitoral adotado pela Constituição 88, a “Constituição Cidadã” tão alardeada e festejada, o sistema proporcional, com base num complicado emaranhado de fatores transitórios, denominado quociente eleitoral.

O sistema vigente permite que candidatos com votação inexpressiva tomem assento no parlamento, muitas vezes, sem um mínimo preparo para parlar, apenas ocupam um espaço para compor bancadas indicadas por frações da sociedade, os partidos, que obviamente defenderão seus próprios interesses, sejam eles de interesse ou não da sociedade.

Nesse contexto, é muito importante enfatizar o fato ou os fatos ao entorno da construção e da concepção da  Constituição 88, considerando sempre o antes, o durante e o depois.

Nascida de um pretenso clamor popular, a Carta de 88 foi discutida por um parlamento altamente viciado, ou seja, parlamentares da situação e da oposição com históricos sabidamente incoerentes, alguns inexpressivos e algumas outras “raposas felpudas” da política nacional, que sobreviveram incólumes a uma ditadura, a de Getúlio, a um período conturbado de uma democracia trôpega e aos Governos Militares, pulando de galho em galho com expertise camaleônica para não se deixarem abater.

Muito natural, portanto, que aquelas “raposas felpudas” de outrora, desgastadas no sistema político promovido pelos militares, portanto meros figurantes, agora alçados a condutores da chamada redemocratização, viabilizassem seu retorno triunfal ao protagonismo político, pavimentando a via para a perpetuação no poder, para si e para sua descendência sanguínea e/ou seus apadrinhados.

Com o protagonismo já em recuperação durante o processo de construção da Carta, as velhas raposas de forma sutil e convincente, explorando os anseios populares habilmente incutidos na população, traçaram as novas regras.

Notoriamente casuístas, as regras referentes não foram pacíficas, o próprio Partido dos Trabalhadores, hoje grande beneficiário do sistema, se posicionou contra à época, ao não referendar a Carta, por temer a perpetuação inconteste e flagrante da raposada.

Todo esse arranjo permitiu um processo altamente complexo e manipulável, privilegiando os partidos, geralmente comandado pelas felpudas e assim controlar todos os movimentos políticos no país, ainda que às vezes briguem entre si, mas nunca ou quase nunca se preocupam com os destinos da nação ou com os efeitos nefastos de suas ações territoriais de auto preservação.

Esse intrincado processo favorece a debandada de ideias, as consagradas e rotineiras traições, permite que parlamentares naveguem em águas calmas, salvaguardados pela imunidade e pelo anonimato estratégico, incentiva os chamados estelionatos eleitorais a ponto de transformar pessoas tidas como boas em volúveis e insensíveis.

Movidos pelo bairrismo característico da nossa latinidade, tendemos a votar no amigo, no parente, em celebridades artísticas e esportivas, fanfarrões oportunistas, nas repentinas eminências pardas e em notórios e inoperantes recalcitrantes, os famosos “postes” ou “cones”, por mero desencargo que a obrigatoriedade do voto nos impõe, sem nos preocuparmos com sua capacidade de parlar, com seu carisma para nos representar e com os penduricalhos muitas vezes desprezíveis que trazem a tiracolo.

Assim agindo garantimos cabides e mais cabides de empregos que recaem, no final, sobre nossos ombros, como mais um fardo pesado e inócuo, ao mesmo tempo em que garantimos a necessidade da obrigação de votar que somente propicia os prognósticos, a estatística e a moderna, mas inútil rapidez nos resultados.

Tudo isso tem um custo, um alto custo. Os danos não são aparentes, são danos históricos, onde os maiores prejudicados são os eleitores, que, “entre a cruz e a espada”, não sabem o que fazer ou em quem votar, enquanto isso, a raposada se diverte e agradece.

Mas e a moralidade, a decência, a probidade, a transparência e a vontade popular?  

Bem, isso “são outros quinhentos.”

Paz e Luz.  

Gostou? Compartilhe...

Leia as materias relacionadas

magnifiercrossmenu